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Psicóloga e professora da Ufac fala sobre saúde mental

‘Todos estão suscetíveis ao adoecimento psíquico’, diz Liliane Gomes
publicado: 10/10/2018 14h38, última modificação: 10/10/2018 15h32

Neste 10 de outubro celebra-se o Dia Mundial da Saúde Mental. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 10% da população no planeta enfrenta, hoje, algum tipo de sofrimento mental. Dislexia, autismo, síndrome de Down, depressão, ansiedade e estresse são alguns dos transtornos mais comuns.

De acordo com a professora do curso de Psicologia da Universidade Federal do Acre (Ufac), Liliane Gomes, a discussão do assunto pressupõe a necessidade de implantação de medidas de apoio que envolvam uma rede ao redor do paciente, incluindo familiares e amigos. Confira a entrevista com Liliane, mestra na área de psicologia, sobre preconceito, medos e adoecimento psicológico.

É possível definir agentes determinantes para a manutenção de uma saúde mental equilibrada?

É comum as pessoas associarem a saúde mental à ausência de doença; mas, na verdade, o conceito remete a um completo bem-estar físico, mental e social. À medida que as sociedades foram evoluindo, os modos de vida foram se modificando, de modo que não é possível conceber o que vai determinar o adoecimento do indivíduo.

O que observamos, na verdade, é que existe uma série de fatores que vão favorecer, ou não, a emergência de um adoecimento psíquico, desde questões genéticas e biológicas a questões sociais, econômicas, de acesso ou privação de políticas educacionais e de bem-estar. É a junção de todos esses fatores, e outros, que vai contribuir para que uma pessoa esteja mais suscetível ao adoecimento psíquico do que outra.

Como se identifica que questões relacionadas diretamente a condições de vida impostas pela sociedade atual podem se tonar um problema no futuro?

Primeiro, é importante dizer que ainda existe um certo preconceito sobre a saúde mental pela ausência, muitas vezes, de um comprovante orgânico.  Tradicionalmente, tem-se a ideia de valorizar a etiologia orgânica. Ou seja, se há uma questão orgânica, excluem-se quaisquer outras possibilidades de questões psíquicas.

Esse preconceito, associado à invisibilidade sobre o sofrimento psíquico, faz com que exista uma negligência sobre essa temática, provocando uma certa naturalização do problema. Por exemplo, como você vai falar em transtorno de ansiedade em uma sociedade em que está todo mundo correndo, todo mundo acelerado, todo mundo respondendo a um modo de vida que vigora atualmente?

São questões como essa que que acabam naturalizando formas de sofrimento já partilhadas em nível social. A princípio, respondendo mais diretamente à pergunta, podemos pensar como um sinal de alerta o nível de prejuízo que uma pessoa possa estar vivenciando nos mais diversos campos que ela ocupa: relações interpessoais, de trabalho, no âmbito familiar. De modo mais objetivo, é preciso avaliar de que forma o que a pessoa está apresentando interfere na qualidade de vida e nos campos em que ela se relaciona.

A senhora falou em preconceito... Ainda existe resistência na busca por apoio especializado?

A psicologia e outras áreas em uma medida geral têm trabalhado para promover a educação em saúde mental, mas o preconceito ainda está presente entre a maioria da população. Para algumas pessoas, é mais aceitável tomar uma medicação numa situação de crise do que ter que falar de suas questões em uma psicoterapia. 

A psicoterapia é vista com certa resistência, como se fosse algo que apontasse um defeito do sujeito. Vivemos numa sociedade muito autoexigente, muito narcísica; demonstrar que se está bem e feliz é fundamental, apesar de a vida real não ser essa. A saúde mental está na possibilidade de reconhecer essa irrealidade e buscar ajuda. Quanto mais comprometida a saúde mental de um sujeito estiver, mais dificuldade ele vai ter em buscar apoio.

Além da busca por tratamento especializado, existem outras medidas a serem tomadas em prol da saúde mental?

O conceito de qualidade de vida tem uma relação direta com a saúde mental, perpassando a prática de atividades físicas e lúdicas. A possibilidade de se exercitar, estar em comunidade, partilhar experiências em grupo, ter uma rede de amigos, um ambiente de trabalho saudável, um contexto familiar de apoio. Tudo isso é fator de proteção quando se fala em saúde mental.

Por outro lado, o isolamento, o individualismo e as vivências muito mais partilhadas nas redes digitais do que no meio social demonstram que, em alguma medida, as pessoas não estão recebendo o suporte adequado para lidar com o sofrimento. Por isso, é importante pensar em alternativas que passem pela coletividade.

Um sujeito adoecido lutando sozinho para preservar sua saúde mental pode até conseguir sucesso, mas suas chances são mais limitadas. Um grupo social que se mobiliza para transformar esse modo de vida em nível maior e mais amplo trará, com certeza, mais efetividade quando pensamos em saúde mental.

É correto dizer que o adoecimento mental é democrático?

Se pensarmos em nível cultural, todos estão suscetíveis ao adoecimento psíquico em alguma medida. Esse adoecimento é transcultural. Quando pensamos em um contexto social menor, observamos aquele público que é mais vulnerável ao adoecimento psíquico.

Pessoas que vivenciam mais situações de violência e preconceito estão mais suscetíveis ao adoecimento. Então, ainda que o adoecimento esteja presente em todas as camadas, ele é muito mais representativo onde há uma condição de vulnerabilidade, seja pelo gênero, pela condição social, pela faixa etária.