A entrevista
Beneilton Damasceno
Antes de iniciar aqui meu festival de abobrinhas de todas as sextas-feiras, quero conclamar o amigo leitor (no singular mesmo; se houver um já é uma vitória) a acompanhar comigo o proveitoso diálogo que mantive esta semana com uma figura fenomenal. Exemplar pai de família, trabalhador, honesto, apolítico e, mais do que tudo, revoltado com a sociedade, com o poder constituído e com as instituições ambientalistas que pipocam nos dois hemisférios, nosso ilustre entrevistado fala de discriminação, tripudia da Justiça e alfineta até o Código Penal. Sem delongas, vamos aos principais trechos da conversa.
- Você está há quanto tempo preso aqui, meu amigo?
- Para começar, uma pequena retificação: eu não sou seu amigo. Nem seu nem dessa sua sociedadezinha mixuruca, que nunca moveram uma palha por mim e por milhões de companheiros meus que vivem nessa maldita situação desde que o mundo é mundo.
- Tudo bem, desculpe, é a força do hábito. Mas vamos ao importante: é ruim morar numa prisão tão pequena?
- Escute aqui, dotô, prisão é prisão, não importa se ela é maior ou menor, feia ou bonita. Mas, se quer saber, aqui é uma maravilha. Você não gostaria de ficar no meu lugar uma semana? Só uma semaninha. No final eu lhe faria essa mesma pergunta... Vim para cá faz mais de dois anos. Na verdade, fui enganado. Estava atrás de comida para minha mulher e meus dois filhos. Vi a porta aberta. Havia um pouco de alpiste. Entrei. Foi o meu crime. Um sujeito de bermuda e mal-encarado passou o ferrolho.
- Olha, essa história de ser preso porque estava à procura de comida é meio manjada... Desculpe a pergunta, mas você não teria cometido algum crime mais pesado? Tipo assim, um estupro? Um assalto à mão armada? Ou, quem sabe, aplicado algum rombo na Previdência...
- A estupidez de vocês me adoece. Eu, hein? Meu filho, se eu tivesse cometido um delito desses, com certeza já estaria na condicional. Passava o dia fora e voltava só para dormir. Quanto ao babado da Previdência, em menos de vinte e quatro horas já teria um advogado com um tal de habeas-corpus e ficaria livre para começar tudo de novo.
- Quem é seu advogado?
- Estou esperando essa graça. O senhor se habilita?
- É que não é a minha área, sabe?
- Sei, sei. Perguntei por perguntar...
- O que você acha dos organismos ambientais? E do Ibama?
- São muito atuantes, exceto com a minha categoria. Esse Green Peace, famoso no mundo inteiro, só se preocupa com baleia e jacaré. Não só o Green Peace, mas um monte de Ongs. Já o Ibama sequer permite que alguém fale alto com uma tartaruga ou com um gato-maracajá. Leva é cana, cara! Tem até época determinada para pegar peixe. Mas todo dia tem gente prendendo passarinho pelo meio do mato e ninguém vê. Marrapaz!
- Qual sua expectativa de sair da cadeia?
- Quer saber mesmo? Nenhuma. Prisão perpétua, meu chapa. Eu nunca vou sair desta porcaria. Qualquer dia vou derramar essa comida velha que põem nessa bacia. Vou morrer de fome, pode escrever aí! Todo mundo me acha bonito, diz que eu canto bem, mas não chega um filho de Deus com coragem para abrir essa porta e me deixe sair.
- Fugir?
- Claro que não! Queria apenas ser julgado. Como vocês costumam fazer, né? Ouvir a sentença do juiz declarando que eu estuprei, assaltei ou, até mesmo, ajudei a falir a Previdência. Aí, sim, eu voltaria para cumprir a minha pena, sem reclamar.
- Você se considera um revoltado?
- Nada mais a declarar. Seu idiota!
Fim da entrevista.