A importância do sindicalismo hoje
Eloisa Winter do Nascimento
Vivemos hoje uma profunda crise social. A manifestação mais evidente desta crise está, sem dúvida, nos altos índices de criminalidade que aterrorizam a sociedade. Essa criminalidade, sistematicamente explorada pela mídia, é apresentada como o problema. A insegurança dos cidadãos parece decorrer unicamente da ameaça ao seu patrimônio, da possibilidade de ser seqüestrado ou morto por delinqüentes. Em torno dessas questões giram os noticiários, organizam-se debates nas redes de TV. Onde está a saída? Aumentar o policiamento, reformar as leis consideradas muito brandas, instituir a pena de morte, diminuir a idade para imputação de responsabilidade criminal, são algumas das alternativas que ganham força.
Contudo, algumas questões deixam de ser formuladas: quantos têm patrimônio a ser roubado? Quantos têm uma fortuna que os coloque em risco de ser seqüestrado? Por que cada vez mais adultos e mesmo crianças se expõe ao risco de perder a sua liberdade, sua segurança e mesmo sua vida para furtar trocados? Porque é preciso que nos lembremos que aquele que rouba também está se colocando em uma situação de risco.
Essas questões deixam de ser tratadas. A possibilidade de sobrevivência de cada um parece ser um problema exclusivamente individual.
Na esfera individual aquilo que é considerado por cada um como seu de direito varia imensamente. Alguns acham que é um direito seu ser proprietário de áreas equivalentes a um estado, outros que é seu direito ter carros importados e aviões, outros acham que tem direito a ter um teto, se alimentar e alimentar sua família diariamente. Nesse contexto cada qual corre atrás de seus “direitos” como pode. Enquanto a busca é meramente individual, o outro é, potencialmente, um limite para a realização das aspirações de cada um.
Ao mesmo tempo o presidente da república vai à televisão dizer que hoje temos os “inempregáveis”, que o mercado não tem mais espaço para todos. Com essa afirmativa ele abre mão de buscar o pleno emprego como um dever do Estado, o que, aliás, nunca chegou a ser pautado seriamente em nossa perversa realidade elitista.
Vivemos, portanto, plenamente a era do individualismo exacerbado. Nesse contexto não há espaço para projetos coletivos, mas apenas individuais. Ao mesmo tempo, sacrificam-se todas as conquistas coletivas em nome do deus mercado – o caminho seguro de chegarmos a integrar a globalização e a modernidade. Aos excluídos sobra a caridade, sob a nova designação de solidariedade.
Para quebrar essa situação de absoluta insegurança é preciso que se formulem outras questões. É preciso que se compreenda o que leva a essa absoluta falta de perspectiva.
De fato, já vivemos outras crises. No decorrer delas os trabalhadores se organizaram e construíram perspectivas sociais diferenciadas. Hoje, o desemprego enfraquece os sindicatos e significativa parcela de nossos intelectuais, que há algum tempo atrás se diziam comprometidos com os trabalhadores, engrossa o coro dos que dizem que não nos sobra outra perspectiva do que esta inserção submissa ao mercado mundial. Afirmam que chegou ao fim a sociedade do trabalho.
No entanto, toda a tecnologia disponível não é outra coisa do que o fruto do trabalho. A operação desta tecnologia e seu aprofundamento dependem do trabalho, tanto manual quanto intelectual. Talvez a novidade no atual contexto seja que agora, mais do que nunca, o trabalho intelectual mostra-se como uma forma de trabalho assalariado. E, talvez seja por isso mesmo que um grande número de nossos colegas busque agradar os detentores do capital apresentando sua perspectiva de sociedade como a única possível.
Essa situação do enfraquecimento dos trabalhadores como força política e social é que permite que um presidente, eleito pelo povo, vá á televisão ignorar o compromisso que assumiu publicamente e desconsidere o direito fundamental de todo o homem, que é o trabalho. É, portanto, necessário resgatar a força dos trabalhadores e esse resgate não se faz apenas pelo voto, mas pela organização autônoma, pela construção coletiva de propostas que reafirmem a dignidade do trabalho. É preciso quebrar a manipulação do conceito de solidariedade e mostrar que esta se constrói entre iguais, num processo que reafirma o coletivo em contraposição ao individualismo dominante.
Nesse processo o sindicalismo desempenha um papel principal como o espaço de organização de diferentes categorias de trabalhadores. Mas é preciso ainda que cada sindicato tenha clareza de que o interesse de cada trabalhador é igualmente o interesse do coletivo. Que não circunscreva suas lutas à obtenção de conquistas imediatas. Particularmente, no caso do sindicato dos professores, é preciso que este assuma a sua condição de representante de uma categoria de assalariados que tem um compromisso enquanto trabalhador e enquanto intelectual que só se reproduz graças ao trabalho social.
Não é possível, portanto, permanecer circunscrito ao espaço da academia, ou negociar em gabinetes interesses exclusivos. Com essa prática reforça-se a visão dominante e perpetua-se a posição do intelectual como aquele que se põe a serviço dos dominadores, procurando assim um espaço privilegiado dentro da barbárie social.
A possibilidade de superação da crise está no resgate de uma perspectiva coletiva que implica na reorganização dos trabalhadores, delineando-se como força social capaz de impor um projeto em que modernidade e desenvolvimento tenham a conotação de bem estar social. Em que a segurança seja dada pelo desfrute coletivo das possibilidades oferecidas pela tecnologia socialmente construída.
Professora do Departamento de Ciências Sociais da Ufac