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Um caso de polícia

por petrolitano publicado 30/01/2012 09h49, última modificação 30/01/2012 09h49
Jornal Página 20, 15.03.2002

Beneilton Damasceno


Bom dia!

Enquanto eu me debatia, ontem à tarde, atrás de um assunto que pudesse preencher este nobre espaço, olhei em volta e só então dei fé de que estava numa sala cheia de jornais, quase todos locais. E passei a imaginar como seria uma cidade (Rio Branco, vamos supor) se de repente eles (os jornais) inventassem de não sair às ruas durante uma semana. Nada de horóscopo, nada de coluna social, nada de denúncia nem de acusações de lá e de cá. O “Senadinho” sem assunto para debater, repartições mórbidas, funcionários taciturnos, desencorajados (!), vereadores e deputados bocejando durante as sessões. Monotonia total.

Jornal é assim: muitos reclamam que ele não diz a verdade, que não tem compromisso com o leitor, que a maioria é mal escrita, outros reafirmam que a imprensa do Acre é um bolo fecal... Mas é difícil quem não recorra a ele pelo menos uma vezinha para uma espiada sem compromisso nas manchetes ou na legenda da foto. Sem falar na página policial, a predileta do cidadão comum e de um monte de intelectuais de botequim, que negam, alegando hemofobia.

Pois foi a “sessão pancadaria” que me levou a recorrer aos jornais que estavam sobre a mesa. De posse dos quatro diários locais datados do dia 13, anteontem, fui levado pela intuição a ler uma notícia tanto constrangedora quanto curiosa. O fato aconteceu na segunda-feira e envolvia uma senhora de 46 anos, assaltada naquela manhã por dois homens numa motocicleta Strada azul, no centro. Os bandidos lhe tomaram R$ 8 mil e mais 390 dólares (somando tudo, algo pertinho de 9 mil reais). Barbaridade sem tamanho.

Até aí as informações coincidiam naturalmente. As contradições, porém, entraram em cena a partir do nome da vítima: “Liliana Mapel Provenozo”, “Liliana Mabel Provenza”, “Liliane Nabel Provenças” e “Lílian Mabel Provenza”, grafados deste jeito, sem tirar nem pôr. Quanto ao cenário do crime, ficou assim: num jornal ela saía de um restaurante, no outro caminhava próximo ao hotel onde se hospedara, e em outro, fazia compras. O quarto jornal não entrou em detalhes topográficos. A placa da moto era MZP (jornal A) e MZR (jornal B), ambas com final 3. E agora, Detran?

Todos os jornais concordaram que a distinta senhora era estrangeira e se encontra no Acre a passeio. Uma turista, portanto. Mas criaram um grave problema diplomático de dupla nacionalidade. Enquanto dois deles declararam que dona Liliana (ou Liliane ou Lílian) era argentina, os outros registraram que a mulher era espanhola. Uma batata quente para o consulado dos dois países resolver, se é que existe interesse de algum deles em proteger sua presumível cidadã.

Cá comigo, não vejo qualquer relação lúcida entre a Espanha e a Argentina de Carlos Gardel, a não ser o idioma. Europa e América do Sul, Primeiro Mundo e Terceiro Mundo, tourada e futebol, prosperidade e crise. De onde surgiu a confusão, então? Não posso acreditar que os repórteres tenham distorcido a coisa com tamanho requinte. Mesmo convencido de que os boletins de ocorrência dos DPs e do pronto-socorro não são nenhuma peça literária, é de convir que uma troca tão sem-pé-nem-cabeça parece coisa de quem não tem uma ocupação definida.

Só para concluir, acabei de encontrar outra razão mais ou menos convincente para provar que a señora Lílian (Liliana, Liliane) pode ter vindo de qualquer país do globo, menos da gloriosa Argentina. Por quê? Porque os hermanos porteños enfrentam hoje o mesmo drama que nos castigou há pouco mais de dez anos, quando o presidente Collor confiscou (tomou na marra) dinheiro de nossa conta bancária. Lá, ao som de panelaços e balas de efeito moral, a grana vem sendo liberada timidamente, no compasso de conta-gotas. Senão o povo gasta tudo, né? A menos que a respeitável turista tenha amealhado quase nove mil-réis debaixo do colchão por longos anos apenas para vir ser assaltada no Acre. É bem capaz, ó?

Olha, eu criei essa celeuma toda por razões estritamente profissionais. Na condição de revisor de um dos quatro jornais diários “analisados”, minha primeira providência foi me antecipar aos leitores atentos e jurar que, pelo menos dessa vez, estou fora dessa lambança. E também não sei falar espanhol. Muito menos argentino. Por supuesto!