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Da incerteza humana

por petrolitano publicado 31/10/2011 14h36, última modificação 31/10/2011 14h36
Jornal Página 20, 11.04.2001

Claudio Porfiro

É preciso às vezes filosofar; mas não a Filosofia densa dos acadêmicos e dos ratos de biblioteca. Convém a Filosofia da prática que busca o entendimento - e lenitivos ou soluções - das dores e problemas do mundo e empreende esforços no sentido da melhoria da qualidade de vida do homem em sociedade. E percebemos tão pouco do mundo que nos rodeia!... Assim, por isto mesmo, devemos buscar a transformação humana que nos levará a viver com dignidade.

Mesmo assim, ainda em nós permanece a incerteza humana. Ao proclamar “cogito ergo sun” - penso, logo existo -, René Descartes deixa transparecer que o nosso pensamento é que revela a nossa existência. E é da dúvida que nos percebemos enquanto pensantes e existentes. Todavia, veio depois o bom Kierkegaard e disse: “penso, logo não sou”. Daí então é possível afirmar que problematizar é admitir nossas incertezas, nossas contingências. O homem é, sim! Mas por outro lado evolui, completa-se, pois a verdade é que estamos sempre querendo ser e não sabemos o que somos. Já Bergson entende que nós somos na medida em que nos construímos; somos os nossos ideais, somos aquilo que nos projetamos ser.

Segundo Eduardo Prado de Mendonça (O mundo precisa de filosofia. RJ : Agyr, 1978, p. 106)), “quando não assumimos conscientemente as rédeas da nossa formação, o que ocorre conosco é que aceitamos passivamente aquilo que nos parecem ser os ideais do espírito de uma época, na qual vivemos.”

Se para cada época perseguimos um ideal humano e, se à educação compete transmitir valores e técnicas às nossas novas gerações, cabe a pergunta: - no meio de tantas dúvidas e tantas incertezas existenciais, que tipo de homem estamos nós construindo nestes tempos marcados por tantas conturbações?

Conforme observa Prado de Mendonça, os ideais do homem se têm sucedido na história. As civilizações mais antigas do oriente eram pessimistas, fatalistas, submissas. Os gregos eram esforçados e, para eles, só aos deuses cabia o sucesso; mas aquela era uma época em que os homens, ainda que se considerando insignificantes, tinham dignidade, responsabilidade, magnanimidade. Os romanos criaram o Direito em vista de sua sobriedade, parcimônia, simplicidade, persistência e, sobretudo, devido ao arraigado conceito de família. À época do surgimento do Cristianismo, importavam a generosidade do espírito humano e a sua salvação eterna. Os humanistas cultuaram a força, o esforço e o valor próprio do homem. Para o racionalismo, “a razão humana tem poderes ilimitados”.

Surge, então, já no século dezenove, o mito da produção, em que tem mais valor o homem que mais produz e este será plenamente especializado a cada vez mais produzir.

Entretanto, muitos jogos de interesses e muita desconfiança grassam pelo mundo. Por isto, o existencialismo é uma reação contra a visão interesseira. Ao homem dos nossos dias e às gerações vindouras resta a consciência de que não encaminhamos convenientemente a nossa vida de modernos. Vagamos.

Há, em verdade, que darmos direção e valores à vida humana. Temos que adotar práticas educativas em que o desenvolvimento do saber aponte em direção ao desenvolvimento do ser, posto que estamos aprendendo constantemente porque estamos sempre formando o nosso próprio ser. E, acima de tudo, deveremos estar sempre na busca do homem, enquanto humanos que somos. Deveremos desenvolver-nos da maneira mais integral possível, na plenitude, superando-nos a nós mesmos, pois, se aspiramos a perfeição é porque estamos querendo, ou tentando, ser completos, procurando a felicidade e o bem para todos e não apenas para nós próprios.

Nada somos. Eis uma das afirmativas básicas dos escritos de Caio Prado de Mendonça, anteriormente comentada. Entretanto, isto não é o que pensam as nossas elites burguesas encasteladas no esplendor das suas fortunas, amealhadas à custa do suor do trabalho de tantos anônimos do sul e do norte, do leste e do oeste deste País.

E assim, nos recônditos mais longínquos, lá onde a floresta ainda é a mãe extremada que quase tudo pode dar ao dileto filho da natureza - como nos altos rios do Acre - também existem injustiças sociais gritantes, como ontem existiram, como amanhã, talvez, continuarão existindo, porque o poderio capitalista que se expande velozmente devorando homem e natureza ainda não viu que nada somos.

Conforme Clodovis Boff (Teologia pé-no-chão. Petrópolis : Vozes, 1985), “em nossa sociedade capitalista, os pobres são Lázaros que apenas apanham as migalhas que caem da mesa dos ricos depois que estes fizeram os Lázaros produzir, preparar e servir o banquete que estão comendo”.

Resta ver, enfim que, nas palavras do Padre Clodovis, o fermento mais constante é a divisão social injusta que dita autoritariamente regras e normas às comunidades espalhadas por todo o interior do Estado do Acre.
Mas ainda há muito o que fazer - filosoficamente - para debelar este mal...

Claudioporfiro@zipmail.com.br