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Eu fico, você fica?

por petrolitano publicado 08/11/2011 15h34, última modificação 08/11/2011 15h34
Jornal Página 20, 15.07.2001

* Carolina Sampaio Barreto
** Sárita Alves da Silva

A palavra crise na nossa sociedade vem sendo empregada por pessoas de vários níveis sociais e culturais. Empregando-a para fazer comentários do tipo: o casal está em crise, o país está em crise, a universidade brasileira está em crise, a família está em crise , a adolescência está em crise e tantas outras citações que, aos poucos, somos levados a acreditar que o mundo é uma crise.

Nesta orquestração a desesperança toma conta dos indivíduos e, não raro, encontramos pessoas que gradativamente vão perdendo a chance de sonhar. Neste cenário de medo e de ansiedade, alguns indivíduos são mais vulneráveis. Esta vulnerabilidade encontra seu porto seguro no grupo dos adolescentes devido às suas características de busca da sua própria identidade.

O adolescente de hoje é um ser que busca, mas não sabe exatamente o que procura, nem como irá encontrar o que deseja. São indivíduos que, apesar dos rótulos, trazem na sua essência o desejo de viver em um mundo melhor.

Há algum tempo os adolescentes ganharam o estereótipo de passivos e irresponsáveis, pois eles não se envolvem em questões vistas pelo adulto como relevantes. Atualmente ouvimos com muita freqüência o termo “aborrecente” , dito por alguns de forma afetuosa e por outros de forma debochada. Aqui cabe uma pergunta: Como estamos educando e convivendo com os nossos adolescentes?

Pesquisa divulgada pela Unesco e pela Fundação Oswaldo Cruz, que resultou no livro Fala Galera, em que foram entrevistados mil e duzentos jovens cariocas entre 15 e 20 anos, revela os seguintes resultados: jovens assustados, acuados, sem visualizar perspectivas favoráveis para o futuro. O quadro desolador apontado pelos jovens inclui dificuldades para entrar no mercado de trabalho, violência policial e problemas no relacionamento com a família.

Estes dados mostram que os jovens apresentam várias necessidades que os impedem de vivenciar sentimentos de satisfação, felicidade e entusiasmo pelas coisas que os cercam.

No nosso entendimento, a família é primordialmente o suporte social do indivíduo, satisfazendo as suas necessidades, tecendo de forma lenta e amorosa o seu desenvolvimento como um cidadão.

A família é também o espaço onde se vivem os extremos da vida: o nascimento e a morte; é aqui onde se experimentam as emoções e os afetos extremos. A continuidade ou não da construção destes valores são percebidos com muita freqüência na fase da adolescência, pois é no espaço familiar que estes sujeitos aprendem o viver saudavelmente em sociedade, podendo também serem oferecidas as condições para a formação e uma personalidade nociva à sociedade.

No campo da sexualidade, o adolescente é impulsionado a vivê-la de acordo com o contexto cultural, linguagem e valores vigentes nesta época. E, afinal, que valores e linguagem são passados atualmente para os adolescentes?

Em Sociedade do Espetáculo, Guy Debord refere que o tipo de sociedade em que vivemos é uma sociedade em que a vida é pobre e na qual os indivíduos são obrigados a contemplar e consumir passivamente imagens de tudo o que lhes falta na vida real. A vida se tornou uma imensa acumulação de espetáculo. “A mídia tornou-se imperiosa e impositiva pelo gigantismo da imagem. Já não é preciso ler, pensar, refletir, basta ver.”

A cultura do Narcisismo vai aos poucos penetrando nos espaços públicos e privados e com endereço certo: o adolescente. É neste contexto do imaginário que o adolescente desenvolve a sua sexualidade. Envolvido pelo sentimento narcísico, ele tende a ver o outro como objeto descartável após a sua cota de desejo satisfeita.

De forma ingênua e, portanto, inconseqüente, o afeto é menos valorizado, empurrando-o a permanecer na periferia de si mesmo e nesta ciranda de buscas ele tem dificuldade de construir projetos pessoais que lhe possibilitem reconhecer-se como alguém de valor.

É claro que isso tem conseqüências... Na tentativa de suprir o seu particular processo de busca e insatisfações eles vivem em “tribos” e, assim, criam um mundo com características singulares que os levam a ter um modo de vida e de relações cuja marca seja a liberdade das sua conquistas.

Descobrir a vida é algo que fascina o humano, sendo pois uma tarefa gratificante. Assim é que nas relações com o outro este processo vai sendo construído.

Isto nos reporta a uma pequena imagem frente às questões da paternidade/maternidade/gravidez na adolescência e aos seus agravos psicológicos, sociais e econômicos.

A professora Amparo Caridade, da Universidade Católica de Pernambuco, ao comentar sobre o comportamento do adolescente e a sua sexualidade afirma: “adolescente é alguém que experimenta a sua sexualidade na rapidez, na leveza e na diversidade”.

Esta conduta nos dias atuais é conhecida como ficar, se traduzindo numa prática descompromissada, inquieta e que perturba o olhar do adulto. O ficar representa uma nova forma de relação, uma ética para os relacionamentos provisórios, típicos dos tempos de rapidez. Assim, vai sendo construído a regra do nada fique depois de ficar.

Este tipo de conduta descompromissada com as graves conseqüências certamente envolve outros atores neste cenário desta “Sociedade do Espetáculo, da imagem e do prazer”.

Identificar estes atores na nossa sociedade não é uma tarefa das mais difíceis, suscita apenas ações no contexto familiar e social que devem ser facilitadoras no seu processo de desenvolvimento, deixando de lado atitudes que apenas avaliam e/ou julgam, devendo ser costuradas com sentimentos de encanto pela oportunidade que a vida nos oferece de ficar ao lado desses adolescentes.

*Enfermeira, mestra em Enfermagem pela UFSC e vice-reitora da UFAC

**Enfermeira, cursando especialização em Enfermagem Obstétrica na UFAC