Ponderações acerca da crise energética
José Cláudio Mota Porfiro
É preciso verificar o tamanho exato das doses de irresponsabilidade, incompetência e oportunismo acerca da crise energética por que passa o Brasil.
Alberto Fernandes Rodrigues, do sindicato dos urbanitários do Acre, e funcionário da Eletronorte, enviou e-mail no qual recomenda-me a leitura de um artigo de autoria de César Benjamin, onde é feita uma análise minuciosa sobre o problema em pauta. O texto é um calhamaço de trinta e duas páginas repletas de verdades cuja interpretação foi por mim dividida em duas partes, a última das quais virá a público na próxima quarta-feira.
Sem ir à questão técnica das usinas eólicas ou das movidas a biogás, não se pode negar que o Brasil tem recursos naturais a perder de vista, a partir dos quais se pode gerar energia. Há milhares de rios caudalosos e encachoeirados, perenes, propícios à construção de barragens para hidrelétricas. Mesmo no Acre, já houve um estudo detalhado, feito por Natalino de Brito, engenheiro aposentado do exército, que chegou à conclusão segundo a qual a Cachoeira do Ituxi possui alto potencial para a geração de energia. Mas as autoridades do Planalto desconsideraram o estudo, afinal tratava-se de beneficiar esta terra acreana, o elo brasileiro perdido neste rincão de Deus.
Segundo o estudo de Benjamin, é preciso uma volta à recente história brasileira para obervarmos que até pouco tempo podíamos contar com um suporte tecnológico que nos garantia auto-suficiência energética a longo prazo.
A Usina de Furnas suportou a seca que se abateu sobre os mananciais brasileiros no período de 1951 a 1956. E todos sonharam muito, inclusive as nossas lideranças ineptas que não viram as possibilidades, inclusive, do processo de industrialização que se iniciava naquele momento. Jamais teríamos problemas com a geração da energia motriz para o nosso progresso.
Tínhamos um gigantesco excedente energético, mas ninguém viu as possibilidades do crescimento que batia à porta. Tivemos décadas de folga para tomar decisões. E nada foi feito porque o capital internacional já deitava olhos compridos neste filé mignon subsidiado pelo governo e pelo consumidor.
Chegamos a dar aulas sobre hidreletricidade. O mundo inteiro ouvia-nos atentamente, principalmente o alto empresariado internacional atento às menores possibilidades de lucro. Éramos tão auto-suficientes na área quanto a Arábia Saudita é em petróleo. Mas faltou planejamento e muito mais... E hoje vivemos o princípio do caos...
Até 1970, o sistema gerava recursos para a sua própria expansão. O consumidor pagava o suficiente para a construção de cada vez mais usinas. Porém veio a ruína justificada tão somente pela rapinagem dos tecnocratas a serviço da sanha privatista que quer nas mãos do capital estrangeiro aquilo que os brasileiros passaram décadas para construir.
E estamos em 2001! Quem fez alguma coisa? A porta do brasileiro já havia sido arrombada... E Fernando Henrique fez, sim! É ele o responsável pela operação desmonte.
Vierem, então, enquanto fruto do delírio neo-liberal de FHC, as privatizações que atraíram investidores internacionais por exigência do Banco Mundial, cuja intenção maior é salvaguardar a riqueza dos ricos do planeta. Assim, a venda das usinas obedeceu apenas um imperativo ideológico cego. Era necessário pagar o tributo do FMI, em nome de um progresso que nos marginaliza e mantém 50 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza.
É oportuno observar que, nos EUA, a pátria do liberalismo, houve o cuidado de manter as hidrelétricas sob o controle estatal. Pregava-se que os capitalistas americanos ganhassem muito dinheiro, sim, mas cá no terceiro mundo, e não lá, onde a eficiência deve ser preservada e o país não venha a viver a vergonha de uma crise sem precedentes como a nossa.
Ainda conforme Benjamin, convém registrar que, segundo a Gazeta Mercantil, de 13.03.2001, a Light privatizada distribuiu como dividendo 98% do seu lucro, generosamente entregues aos novos acionistas estrangeiros. Ademais, ainda a título de registro, o grupo americano ACS retirou US$ 300 milhões da CEMIG em dois anos, sem iniciar nenhuma obra nova.
Hoje a Eletrosul é belga. A CERJ é chilena. A CEE-NNE (norte nordeste), a CEE-CO (Centro-Oeste), a Eletropaulo, a Elektra e a CESP - Paranepanema são americanas. A Coelce (CE), a Coelba (BA) e a Celp (PE) são espanholas... Tudo com dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), retirado do nosso salário.
O investidor estrangeiro jamais pensou em construir usinas. Preferiu comprar prontas as que o governo generosamente lhe ofertava. E o nosso destino energético foi entregue em mãos de quem não sabe sequer onde fica o Brazil.
Com relação a nossa parte acreana do dilema, é preciso salientar que a termeletricidade, à base de óleo diesel, embora de maior custo, tem retorno financeiro imediato, pois nela o combustível é comprado. O que não acarreta nenhum problema ao capitalista, uma vez que o custo é repassado imediatamente ao consumidor.
Segundo a propaganda ideológica neo-liberal, o petróleo nosso de cada dia deveria permanecer barato, pois os EUA garantiam que o Oriente Médio estava sob controle. Todavia, o preço triplicou e hoje vivemos uma crise internacional sustentada pela alta do dólar que dá bases para a majoração do preço do petróleo, como ocorreu há uma semana.
Enfim, antes de mais nada é preciso observar que o Acre vive a opção caríssima da termelétrica a diesel. É claro que, com a majoração dos preços do petróleo, virá o encarecimento da nossa energia e, em algum tempo, poucos, inclusive os empresários, terão condições de arcar com as taxas cobradas por empresas internacionais que apenas imaginam que existimos.
Assim, não é difícil concluir que o apagão não é fato descartável nestas caríssimas planícies de Galvez.
* claudioporfiro@zipmail.com.br