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Democracia exige verdade

por petrolitano publicado 09/11/2011 14h49, última modificação 09/11/2011 14h49
Jornal O Rio Branco, 09.11.2001

*Eloísa Winter Nascimento


Em junho de 2000 o ANDES protocolou a pauta de reivindicações do movimento docente no MEC. Desta data, até a deflagração da greve, em 22 de agosto de 2001, não conseguiu ser recebido para discutir suas demandas com o Ministro da Educação. Em face de absoluta inviabilidade de estabelecer um diálogo e buscar uma solução negociada para as questões consideradas fundamentais para o movimento (ampliação das vagas para as IFE, manutenção do Regime Jurídico Único, incorporação das gratificações) fomos pressionados a recorrer à única saída que nos restava - a greve.

De 22 de agosto a 26 de setembro, em que pese às inúmeras iniciativas do movimento de negociar com o Ministro Paulo Renato, não obtivemos nenhuma resposta, nem conseguimos ser recebidos.

Finalmente, no dia 26 de setembro sentamos, pela primeira vez, para estabelecer as negociações. No dia 27 de setembro o Ministro determinou a retenção dos salários, sem que tivesse mencionado tal possibilidade no dia anterior. Por causa dessa medida arbitrária o processo de negociação foi interrompido. Ainda assim, o ANDES buscou restabelece-lo através da intermediação dos parlamentares e mesmo do ministro do STJ, que se dispôs a participar. O Ministro Paulo Renato não aceitou a intermediação do referido Ministro, alegando que ela não era necessária.

Ao mesmo tempo em que penalizava os professores com a retenção dos salários, o Sr. Paulo Renato se dirigia, em carta, aos mesmos, propondo a negociação individual, desrespeitando, desta forma, o movimento e nosso sindicato. Paralelamente declarava à imprensa que tinha o mais absoluto respeito pelo sindicato, dado que havia presidido o sindicato de professores da UNICAMP.

Após reiteradas tentativas, finalmente pudemos novamente sentar à mesa de negociações. Nela, o representante do Ministro declarou que uma das gratificações não poderia, em hipótese alguma, ser incorporada, dado que ela fazia parte da política educacional do governo federal. Na busca de entendimento, o movimento concordou com a permanência da referida gratificação, salientando que nesse caso deveria haver uma unificação de tratamento entre os professores de 1º, 2º e 3º graus.

É importante salientar que no caso do 1º e 2º grau, a gratificação é condicionada não apenas ao número de aulas dadas pelo professor, mas inclusive ao número de alunos em sala de aula. Os professores não aceitam esse critério já que eles se contrapõem inclusive à qualidade de ensino, condicionando salas de aula lotadas. Além disso, no caso desses docentes a gratificação é consideravelmente menor e não se diferencia com a titulação, ou seja, um professor que tenha doutorado receberá o mesmo incentivo que aquele que tem apenas graduação.

O ministro declarou que as gratificações diferenciadas também faziam parte da política educacional do governo e não poderiam ser unificadas.

O movimento novamente recuou, reivindicando então que se fizesse alterações na referida gratificação de forma tal que contemplasse a formação acadêmica e se eliminasse a questão do quantitativo de alunos. Parecia que finalmente havia se chegado a um acordo. A questão, segundo o Ministro, passava a ser unicamente financeira.

O Comando Nacional de Greve fez então gestões junto aos líderes dos partidos para que se garantisse os recursos orçamentários necessários. Com o compromisso de que eles estavam assegurados, voltou à mesa de negociações, com um termo de acordo, elaborado por técnicos do MEC e representantes dos professores, onde constava inclusive a data de retorno às atividades, desde que as questões acordadas fossem asseguradas em Projeto de Lei.

Qual não foi a surpresa do movimento quando, no momento da assinatura, a representante do Ministro declarou que os recursos assegurados não mais existiam, dado que o líder do PSDB, havia se recusado a assinar o compromisso de garantia dos recursos orçamentários. Coincidentemente o único líder a não assinar. A representante do Sr. Paulo Renato declarou ainda que todo o processo de negociação estava sem efeito e nada mais tinha a negociar.

No dia seguinte o Ministro volta à mídia para anunciar que não era possível negociar com o movimento dos professores visto que eles mudavam de posição a cada encontro. É esta a democracia do governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso e seus Ministros. O diálogo que aceita como única resposta: "Sim senhor".

Ele reedita agora a proposta apresentada no início das negociações e veementemente negada pelo movimento docente - reajuste nas gratificações.

Por que o Ministro insiste em gratificações e não em reajuste salarial?

Segundo o Ministro Paulo Renato porque elas estão condicionadas à avaliação. Ora, nenhuma categoria é tão avaliada quanto a dos professores. Quando apresentamos projetos de pesquisa somos avaliados. Quando fazemos cursos de pós-graduação somos avaliados. Nossa produção acadêmica é avaliada para ser ou não publicada. Quando ministramos aulas somos avaliados por nossos alunos.

Essa é, portanto, mais uma resposta falsa. Na verdade as gratificações nos colocam, enquanto assalariados, em uma situação de absoluta insegurança. Qualquer situação econômica considerada como emergencial pelo governo, pode levar ao corte das gratificações. Imaginem o que isso significaria no atual contexto, onde nossos salários equivalem à quarta parte de nossos proventos.

Por que o Sr. Ministro não negocia?

Ele responde que é pela intransigência e inconstância do movimento docente. Obviamente quem sabe como vem se dando esse processo sabe que essa é mais uma inverdade. De fato, ele não quer abrir mão de um projeto que não foi construído aqui, mas pelos técnicos do Banco Mundial, que entendem que o Estado não pode e não deve gastar dinheiro com o ensino superior que, como diz o próprio Ministro Paulo Renato, ciência e tecnologia podem ser importadas dos países desenvolvidos e para lá podemos mandar nossos "melhores quadros" para estudar.

Essa sem dúvida não é a verdade do povo brasileiro e não é a verdade do movimento dos professores. Nossa luta e resistência apontam para a reafirmação da Universidade Pública, Gratuita e de qualidade, uma reivindicação verdadeira do povo brasileiro que parece não ter mais espaço na "democracia" do atual governo.

*Professora do Departamento de Filosofia e Ciências Sociais da Ufac