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O papel inglório do professor

por petrolitano publicado 09/11/2011 15h02, última modificação 09/11/2011 15h02
Jornal Página 20, 23.11.2001

José Cláudio Mota Porfiro


Depois do advento da greve dos professores das universidades federais, comecei a pensar sobre a vida deste ser humano que, dentre outras, tem a grave incumbência de levar os mais jovens a viver, o mais coerentemente possível, o mundo dos mais experientes, colaborando na melhoria do bem-estar da sociedade em geral. É realmente muito pesado o papel desse comedor de giz.

Há algum tempo, passei as vistas por uma obra de Theodor W. Adorno, da Escola de Frankfurt, Alemanha, intitulada “Crítica cultural e sociedade” (Barcelona: Ediciones Ariel, 1969). Consigo lembrar de algumas considerações do autor. Todas ainda hoje estão eivadas de realidade e contemporaneidade. Por isto é preciso fazer um tratamento mais minucioso sobre algumas ponderações que não me fugiram à memória. 

Pensemos, de início, naquele moço ou naquela moça que se arvora a fazer um curso pedagógico, de nível médio. Trata-se, é claro, de um ser humano prenhe de sonhos e, no mais das vezes, imbuído dos melhores propósitos, enquanto cidadão que pensa poder colaborar para o futuro das gerações que se vão sucedendo. Eis o idealista útil a um sistema que o quer voluntarioso, “sem dinheiro no banco”, trabalhador incansável, mas destituído de realidade. 

Desde as primeiras aulas nos cursos de formação de professores, o professorando (aluno) já se defronta com mensagens irrealistas do tipo o sacerdócio do educador exige-lhe a vida em nome do futuro da humanidade. (Esta eu vi uma vez em Brasiléia). E tudo vai exigir do futuro professor, desde já, muitos ainda na adolescência, um desprendimento total, uma dedicação incomum, um amor-à-camisa que poderá vestir-lhe apenas e tão somente de glória efêmera, e nada mais... 

Então, o caro mestre já se sente responsabilizado pelo há de vir da pátria amada. Em nome do futuro do país ele dará a vida, ganhará salários miseráveis, viverá uma vida de privações mil e morrerá tão pobre quanto seus pobres sonhos de professor pobre. 

Aí, aqueles que projetaram este nobre ser, que trabalhará diuturnamente por salários que mal lhe garantem a sobrevivência, introjetam nele ainda muitas outras sandices que o tornam presa de um mundo obscuro, irreal, confuso. Assim, o professor se torna um alienado da realidade, daí a dificuldade que vai encontrar para entrar no mundo dos negócios, dos lucros, da exploração. 

Segundo Adorno, é preciso estabelecer comparações. Daí poderemos claramente observar que um comerciante, por exemplo, sabe como extrair lucros entre suas compras e suas vendas. Um industrial vê a mais-valia ser fabricada e seus operários sentem esse mesmo processo por dentro. Um agricultor sabe cultivar o sobrevalor de suas colheitas. O profissional liberal estabelece e defende seus honorários e taxas por categoria. Apenas o professor julga que a vida econômica se desenvolve num reino de diálogo e de igualdade. Daí o seu fracasso quando se aventura a uma empresa em outro campo: uma pequena loja, uma pequena chácara, um pequeno artesanato... Eu, então, não consegui sucesso num ateliê de costuras, nem na venda de roupas compradas em São Paulo. Um desastre foi a minha aventura empresarial. Que pena! 

(Num desses dias, então, alguém, de uma faculdade particular, disse que pagaria a mim por um trabalho acadêmico  -  de doze ou treze laudas  -  cinco caixinhas de cerveja skol, ao que prontamente rechacei, uma vez que corria o risco de estabelecer um novo câmbio para as transações financeiras entre professores e alunos.)

É que no capitalismo vive-se a mecânica da extração dos lucros. Para ingressar nesta engrenagem e nela movimentar-se, o professor jamais terá queda, jamais terá jeito, uma vez que tem sua alma presa às quatro paredes de uma sala de aula etérea e sem muito significado real, tal qual ele próprio que, se mostra um exemplo sobre o caos das nossas universidades, a título de ilustração, encontra o sujeito, o verbo e os complementos, mas não mergulha no problema em si, que hoje atinge uma parcela considerável de brasileiros tão ludibriados quanto ele. 

Mas há um algo mais. Há o fator mais preocupante que engana o cidadão em sua alma de bem intencionado. É a pior de todas a desditas, a maior de todas as alienações. Aqueles que estão encastelados nos ministérios fazem dos educadores heróis (ou anti-heróis) modernos responsáveis pelo que de bom ou de ruim poderá ocorrer ao futuro das gerações. Há, no entanto, todas as possibilidades de um vir-a-ser não tão auspicioso, uma vez que temos caminhado em direções opostas à justiça social e à igualdade de oportunidades e condições... E por todas as mazelas futuras haverá de ser o professor responsabilizado, apesar das condições educacionais deste País de inválidos espirituais. Os poderosos fazem muito pouco pela educação, e a culpa pela derrocada cabe ao infeliz professor. 

Assim, cobrir o professor de glória é um jogo ardiloso que os donos do poder fazem para depois atirar-lhe todas as culpas pelas novas gerações que se sucedem e não apontam saídas para a dilemática do mundo moderno... 

Estas são apenas algumas facetas que dão um retoque não tão colorido ao papel inglório do professor, que não se tem habilitado convenientemente para a formação dos gestores do Brasil do futuro

claudioporfiro@zipmail.com.br