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Os intelectuais e o poder

por petrolitano publicado 09/11/2011 14h56, última modificação 09/11/2011 14h56
Jornal Página 20, 14.11.2001

José Cláudio Mota Porfiro


No livro Os intelectuais e a organização da cultura, escrito pelo pensador italiano Antonio Gramsci, na década de 1920, há um tratamento todo especial com relação às responsabilidades de estudiosos e cientistas sociais no tocante aos caminhos e descaminhos da sociedade moderna.

Segundo Gramsci, “cada grupo social cria seus intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência”. Assim, a associação do meu bairro deve ter como ponto de partida os problemas enfrentados no seu dia a dia. O caminho a percorrer deverá contar com as ponderações eminentemente críticas de um intelectual que viva verdadeiramente a realidade da organização. Jamais deverá ser um de fora. Nossos problemas serão sempre resolvidos por nós mesmos, porque deles temos consciência ao sabermos, já, as suas origens.

Em um nível mais amplo, pensemos as questões atinentes à vida de uma nação, como a brasileira. No congresso nacional, então, uma superior maioria de pessoas bem instruídas deveria dar rumos às discussões. Mas não é exatamente o que ocorre. Com alguma razão, os intelectuais não gostam das brigas e picuinhas do parlamento tupiniquim. Eles têm medo do poder porque o poder esconde sob as asas da liberdade um bando de facínoras e consciências medíocres acobertadas por institutos ditos legais, como a imunidade parlamentar.

Assim, uma organização primordial para a democracia, como o parlamento, vê-se impedida de contar com a participação sadia - posto que inteligente - de intelectuais que bem poderiam dar rumos mais brilhantes à história desta pátria sem história. Mas alguém perguntaria sobre as causas que têm elevado cabeças tão miúdas ao posto de representantes do povo... E eu diria: isto é matéria para um tratado que exigiria muito mais fôlego que as meras oitenta linhas deste espaço. No Brasil, vota-se em cega obediência à emoção e não à razão. Por isto evoluímos tão pouco...

Mas é necessário bater por três vezes três neste peito não tão raquítico ou jamais esquálido. Preciso é admitir mui nobremente um mea-culpa, que sai dessa pena tenra e vai atingir uma gama infinda de intelectuais brasileiros, que não se acercam dos políticos partidaristas pelo asco que têm em conviver com uma boa parte dessa canalha. Eu mesmo tenho convivido com pessoas de bem, que verdadeiramente fazem ciência em grandes universidades deste País, como a USP, a UNICAMP, a UnB, dentre outras, além da nossa UFAC.

Em conversas paralelas, ou em cafezinhos informais, têm me dito os intelectuais de carreira que é muito difícil respirar em meio aos mal afamados políticos profissionais, em covis de velhas hienas sorridentes, mas sempre prontas a desferir mordidas fatais. (E eu cá me lembro do quanto deve sofrer um conhecido meu, o Polanco, moço bom, garoto de boa família, eternamente com um pedaço de pau na mão a espantar ratazanas.)

É realmente difícil - mesmo constrangedor - gastar anos a fio em honra da santa mãe ciência para, depois, sujeitar-se ao debate pouco inteligente com pessoas de caráter duvidoso, que se encontram a representar o povo na Assembléia Legislativa (Acre) ou no Congresso Nacional. É fácil sair vivo? Edmundo Pinto tentou, mas não conseguiu porque era um cidadão de princípios sólidos convivendo num antro de facínoras.

Então me vem à memória esse episódio esdrúxulo da greve das Universidades. Que descaminhos houvemos por bem tomar! As coisas estão erradas na origem! Hoje há os que colocam a culpa (pelo descaso com que o poder público trata as instituições universitárias) numa quantidade mínima de parlamentares, que saberiam dizer muito mais, se não estivessem comprometidos com questões bem menores que o futuro da ciência que se faz no Brasil.

E os nossos? Onde estão aqueles que conhecem (ou dizem conhecer) os problemas específicos da Universidade Federal do Acre? Disseram eles que, ultimamente, a UFAC teria recebido muitos recursos. Meus amigos, o dinheiro que dizem ter sido enviado para cá é pura balela. Não existe. Vivemos as agruras de um tempo em que para ser herói basta conseguir respirar.

Pior é que alguns por aqui mourejam, enquanto professores, e têm sido por nós colocados como que para defender-nos em parlamento nacional. São principalmente estes que já esqueceram os que por aqui ficam a fazer ciência à custa de uma salário aviltante, que já não mais dignifica ninguém. Seria necessário, sim, que alguns representantes nossos (das instituições federais de ensino superior), no Congresso Nacional, tomassem a frente de uma grande campanha para o soerguimento das nossas universidades, hoje sucateadas em vista de um processo lento, mas vigoroso, que as quer privatizadas.

Por tudo isto e por muito mais, é preciso admitir que a culpa é nossa, sim. A culpa é de intelectuais que, como eu, por medo ou por nojo, não querem conviver com certos mentirosos e facínoras acobertados pelo manto da impunidade legalizada no próprio parlamento.

Na verdade, um número maior de intelectuais poderia ater-se à tarefa patriótica que é o cultivo e a preservação da democracia - das oportunidades - para os filhos pobres desta pobre nação.

claudioporfiro@zipmail.com.br