Preocupações
Do ponto de vista da plasticidade, as linhas brancas e paralelas recortadas contra o fundo azul formavam um quadro muito bonito. Pura fantasia. Qualquer um que não soubesse o que estava acontecendo certamente ficaria maravilhado e louvaria a natureza pela beleza do espetáculo.
Os corpos de sete tripulantes, no entanto, bem no centro do trágico destino da Columbia, naquele momento viravam cinzas. E milhões de corações choravam estraçalhados pela dor em terra firme. Ao invés de abraços de boas-vindas, lágrimas e cânticos fúnebres, rituais de eterna saudade.
Este de sábado é o segundo grande acidente envolvendo uma nave espacial americana. O primeiro, com a Challenger, em 1986, uma explosão alguns segundos depois da decolagem. Assim como o de ontem, todos os tripulantes morreram. Testemunha envolvida na ação, nenhuma.
A propósito dos dois acidentes, um na decolagem e outro nos procedimentos de aterrissagem, é do conhecimento de todo mundo que esses são os momentos mais críticos de um vôo. Depois de subir, e enquanto estiver lá por cima, é só estabelecer o rumo, o piloto automático faz o resto.
E o pior de tudo é que a gente nunca vai saber com exatidão o que é que aconteceu. Se, por acaso, os técnicos da agência espacial americana vierem realmente a descobrir o que houve, com certeza vão guardar o segredo dentro de um cofre forte, trancado a sete chaves. As falhas não contam.
Bom... Mas porque seria mesmo que eu, cronista de província, estaria tão preocupado, a ponto de gastar o meu precioso espaço de hoje para divagar a respeito de uma tragédia tão distante daqui do nosso “mundinho”, recanto pouco visível (a não ser para roubarem nossas patentes) do planeta?
Pois muito bem... Muitas podem ser as minhas razões (algumas a minha alma desconhece, outras sequer reconhece, um grande número pode não ter fundamento nenhum, mas elas existem). Certamente que eu posso não ter razão nenhuma, que há sempre o risco do reverso no verso.
Um motivo de preocupação: o desabar do céu, ou de pedaços dele, sobre as nossas cabeças. Numa época dessas em que ninguém mais olha para as estrelas (se olhar, corre o risco de cair num buraco aberto ou abandonado ao léu pela incúria dos podres poderes públicos), é um grande perigo.
Aliás, esse nem é um motivo assim tão novo. Asterix (o herói), Obelix (o amigo do herói), Panoramix (o druida que fazia a poção mágica) e os irredutíveis gauleses (os figurantes) das histórias em quadrinhos só tinham medo disso. César e os milhares de legionários romanos que se lixassem.
Outro motivo de preocupação: já estamos nessa onda de aprender a voar há mais de cem anos (desde que Santos Dumont manobrou aquela sua geringonça estranha nos céus de Paris) e até agora nada de segurança. Mais seguro do que qualquer outro meio de transporte? Acredite quem quiser.
A verdade é que a lei da gravidade tem levado uma vantagem enorme sobre os nossos anos de tecnologia voadora. Não se discute isso. Nem sei se ponho a culpa em Isaac Newton ou na maçã que despencou na cabeça dele enquanto ele tirava uma soneca. Talvez um pouco de culpa para cada lado.
Mais um motivo de preocupação: é muito provável que “Durango Bush Kid, o autoproclamado protetor da vida humana na Terra, agora queira descontar o fracasso aeroespacial no corpo dos iraquianos. Nada melhor do que uma bravata para apagar um fracasso. A mídia sabe muito bem disso.
E aí, galera, num caso desses de ataque irresponsável contra o outro lado do pensamento, que ninguém imagine que vai ficar por isso mesmo. A retaliação é certa. Caso em que não vai sobrar um só átomo de testemunha. Tá tudo escrito, eu sei. Mas bem que a gente podia fazer um esforço para apagar.
*Francisco de Moura Pinheiro