Babaçu: uma fonte promissora para a produção de bioenergia no leste do Acre
A busca por fontes alternativas para a geração de energia no Acre se justifica porque 95% de sua matriz energética derivam da queima de combustíveis fósseis, que são responsáveis por 100% da oferta de eletricidade no Estado. Além disso, a rede de distribuição energética atinge apenas 80% dos habitantes, estimando-se em cerca de 100 mil o número de acreanos sem acesso à eletricidade. A maioria desses excluídos vive isolada na floresta ou em pequenas comunidades muito distantes, fato que inviabiliza, sob o ponto de vista técnico e econômico, a sua integração à atual rede de distribuição elétrica existente no Estado.
Para muitos desses excluídos o acesso à eletricidade só poderá ser viabilizado mediante o uso de fontes alternativas de geração de energia que privilegiem a exploração e uso de recursos locais para a produção de energia em sistemas elétricos descentralizados. Dentre estas fontes alternativas, o biodiesel e a biomassa vegetal parecem ser as mais factíveis sob os pontos de vista ecológico, técnico e ambiental.
O biodiesel, por exemplo, é um biocombustível obtido a partir do óleo vegetal de plantas nativas com características semelhantes às do diesel derivado do petróleo, podendo, por esta razão, ser utilizado em motores de ciclo diesel sem necessidade de adaptações nesses motores. O uso de biomassa vegetal para a geração de energia não é incomum no país, e é aplicada em larga escala na indústria sucroalcooleira e de celulose. No Acre, por exemplo, muitas indústrias cerâmicas usam serragem de madeira para a secagem de tijolos. Entretanto, é importante ressaltar que no caso do Acre, o aproveitamento sistemático de recursos vegetais manejados ou cultivados com esse fim é o objetivo a ser buscado caso se decida usar biomassa vegetal em larga escala.
No contexto técnico-científico acreano da atualidade, tanto o uso do biodiesel como da biomassa vegetal derivados de matérias-primas regionais requer investimentos em pesquisas para a resolução de fatores que correntemente limitam o uso imediato dessas fontes. Dentre outros aspectos que devem ser esclarecidos, destacam-se a necessidade de saber quais áreas e espécies são as mais promissoras em função de sua localização, distribuição, densidade natural, potencial produtivo e viabilidade tecnológica do uso do óleo e das diferentes partes das plantas tanto para a produção de biodiesel como da biomassa energética.
Uma espécie nativa que merece ser considerada é o babaçu (Orbignya phalerata), uma palmeira de múltiplos usos cujos frutos possuem grande importância econômica, sendo usados para a produção de óleo, carvão-briquete, farináceos, ácidos graxos, glicerina e compostos com potencial medicinal. A espécie encontra-se amplamente distribuído nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste do Brasil, em uma área estimada entre 13 e 18 milhões de hectares nos estados da Bahia, Minas Gerais, Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins, Goiás, Pará, Mato Grosso, Amazonas, Rondônia e Acre.
No Acre, o babaçu pode ser encontrado ao longo da BR-364, da altura do km 90 até a divisa com Rondônia. Ao longo dessa rodovia, entretanto, as maiores concentrações da espécie são encontradas em áreas de pastagens cultivadas e abandonadas até as margens do Rio Madeira, em território rondoniense. Nesta região, o babaçu é considerado praga de pastagens e muitos fazendeiros usam herbicidas para eliminar as palmeiras. O uso do fogo ou o corte mecânico geralmente não elimina as palmeiras, que possuem desenvolvimento inicial subterrâneo. Deixadas crescendo livremente nas pastagens, elas podem formar maciços muito densos, com sérios prejuízos ao gado.
Considerando o potencial de uso econômico da espécie e a facilidade de acesso às suas populações nativas, um projeto de pesquisa realizado entre 2010 e 2011 pelo Inpa e pela Ufac identificou e mapeou, com o uso de GPS, as populações mais significativas de babaçu na área de influência direta da BR-364 entre o Acre e Rondônia, em uma extensão de 275 km cujo ponto final foi a margem do Rio Madeira. O estudo determinou ainda a densidade das plantas e o período de produção de frutos. É importante ressaltar que foram consideradas apenas as aglomerações de babaçu localizadas até 1,5 km do eixo da rodovia.
A área total levantada correspon-deu a cerca de 82 mil hectares, mas a ocorrência de babaçu foi observada em apenas 60 mil hectares, sendo identificadas 20 populações significativas. A densidade de palmeiras/hectare variou entre 45 e 120, com média de 79,5, um resultado expressivo, considerando que nos babaçuais do Maranhão a densidade média de plantas é de 95 indivíduos/hectare.
Foi observado que a floração do babaçu acontece no período das chuvas, entre outubro e abril. A produção de frutos também acontece durante o período das chuvas, decaindo progressivamente até cessar completamente em junho. Isso acontece porque o tempo de desenvolvimento dos frutos é superior a um ano.
Quando comparados com frutos oriundos do Estado do Tocantins, de áreas próximas da divisa com o Maranhão, os frutos do babaçu da BR-364 apresentaram dimensões similares, mas o peso é maior (+18%). Um eventual aproveitamento dos mesmos como matéria-prima para a produção de biomassa vegetal é favorecido pelo fato da casca e endocarpo (fruto despolpado) representarem cerca de 60% do peso total dos frutos. É importante ressaltar que pesquisas indicam que o carvão e briquetes de uso doméstico e industrial produzidos de frutos de babaçu apresentam alto poder calorífico, no mínimo 20% superiores ao carvão vegetal comum comer-cializado em Rio Branco.
Os resultados do estudo realizado pelo Inpa e pela Ufac sugerem que a exploração extrativista da extensa população de babaçu encontrada ao longo da rodovia BR-364, até as margens do Rio Madeira, é factível em razão da grande densidade natural das plantas e do fácil acesso às mesmas. Além disso, o uso da espécie para a produção de biomassa energética (carvão e briquetes) é favorecido pelo tamanho e peso dos frutos. A realização de estudos complementares para determinar o potencial de produção de óleo dos frutos poderá confirmar o babaçu como uma das mais promissoras fontes de matéria-prima extrativista para a síntese de biodiesel na região leste do Acre.
* Evandro Ferreira é pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da Ufac.
** Cleison Cavalcante de Mendonça é bolsista do CNPq/INPA/Parque Zoobotânico da Ufac.