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Fragmentos da Cultura Acreana

por petrolitano publicado 25/01/2012 10h35, última modificação 25/01/2012 10h35
Jornal Página 20, 28.02.2002
Livro de Iris Célia Cabanellas Zannini constitui um rico acervo sobre o universo e a tradição do imaginário popular acreano


Ao suscitar as emoções e paixões, o poeta vai depurá-las. Aristóteles sublinha, contra Platão, que as emoções e as paixões não são simples emoções ou paixões, mas emoções e paixões trabalhadas pelo poeta. Aí, o poeta fala do que sente; revela-nos o seu estado de espírito, de um modo que é estranho ao homem em geral, que muitas vezes é tomado pelos mesmos sentimentos e sensações, mas que não é capaz de os revelar da mesma forma. Aliás, como o são os sentimentos, a poesia não é regida por um modelo generalizado: cada poeta tem a sua forma, o seu estilo, o seu método de escrever... A este respeito, o poeta não é como o historiador (não conta o que aconteceu, mas o que é verosímil e necessário à unidade da obra. O poeta não apresenta a História, mas o “mythos” (a “estória”, isto é, a efabulação, uma série de sucessos que não têm que ser verdadeiros).

“A poesia deve ser feita/desfeita por todos”, diziam aproximadamente os surrealistas; a poesia não é, portanto, propriedade de um grupo social tocado pela graça divina. E não será assim? Porque razão então continuam os poetas, como grupo, a vegetar em circuito fechado, mas sempre prontos a enfeitar cerimônias e prêmios, presos a rituais antigos de reconhecimento e cumprimentos? Certo: a arte não é mercadoria, é patrimônio (comemos as batatas, mas Pessoa fica). A arte não se mede pelo mercado, sempre houve mecenas, era ornamento de príncipes, coisa que a nossa sociedade quotidianamente não reconhece. Mas repare-se na expressão “sempre houve mecenas”. Precisamente: não terão os poetas algo mais a mostrar que o que “sempre houve”?

Houve e há quem dissesse e diga que “a poesia não é feita por todos, mas só por alguns” e com isso pensam que arrumam a questão. Esquecem-se do pequeno verbo “dever” que estava na frase: de facto, a poesia não é feita por todos, nunca foi. Mas será que deve continuar assim?

Por esta e por outras, penso que são muito perigosas as tentativas de querer afastar definitivamente essas experiências, quer insinuando que se tratava de brotoejas juvenis, asneiras, quando não crimes de terrorismo, coisas para esquecer, quer afogando-as na falta de sentido que é a multiplicação de sentidos (afinal, tudo se vale e vale tudo).

Poético

Apenas para registrar o dito mergulharemos no registro poético contido no livro Fragmentos da Cultura Acreana, de autoria da educadora, escritora e professora Irís Célia Cabanellas Zannini. Que como define a autora constitui uma coleta, registro e difusão das tradições . Um estudo para o ensino de comunicação e expressão no 1º Grau.

O livro editado pela Universidade Federal do Acre, em 1989 , como define a autora é um “tributo à criança e ao magistério que devem buscar nas nossas tradições o elo enriquecido de poesia e graça para integrar as gerações às realidades adormecidas no leito do tempo, resgatar a alma do povo, fecundar a consciência da cidadania e o amor à terra berço”.

No caderno dedicado aos escritores e poetas acreanos, universitários do curso de Letras da Ufac, mergulharam na criação dos operários da cultura acreana como Garibaldi Brasil, Florentina Esteves, Robélia Fernandes, Clodomir Monteiro, Jorge Tufic, Miguel Ferrante, Elzo Rodrigues, Aluísio Maia, Terezinha Miguéis, Mário de Oliveira, Clicia Cunha Gadelha, Fátima Almeida, Francisco Dandão, Fernando de Castela, Bacurau entre outros.

Fragmentos da Cultura Acreana é um rico trabalho de pesquisa sobre o universo e a tradição do imaginário popular acreano, um rico acervo como propõe a autora, uma viagem no mundo dos gênios. “Se o ideal pedagógico não ressuscitar o gênio de Perraul, Grimm, Andersen... e Lobato, certamente, vará irromper o sorriso infantil diante do espetáculo dos contos fantásticos em que a magia da natureza cria mitos, esplendorosamente belos e originais. E assim no dizer de Fernando Pessoa ‘a lenda se escorre a entrar na realidade e a fecundá-la’”.

Garis

Os laranjas despencaram
Do pé de caminhão
E saíram
Pelas ruas
Varrendo seus almoços

 

Sobre a obra de Francisco Dandão, a pesquisadora das letras Marnise Segóvia declara que o trabalho do poeta não traz uma abordagem temática específica, onde os temas mergulham na fluência do universo poético. Mas, veremos nos versos de Dandão respirações políticas e boa dose de inspiração nas obras de escritores latino-americanos, como Llosa e Octávio Paz. O poema acima denota seu engajamento político utilizando sua poesia, dando voz aos excluídos.