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Pobre Memória Acreana

por petrolitano publicado 10/11/2011 12h26, última modificação 10/11/2011 12h26
Jornal Página 20, de 22.01.2002

Dalmir Ferreira

Acreano como todos vós que amais esta terra, muito tenho me preocupado com a forma como vem sendo tratada a nossa memória e da maneira displicente como é tratado nosso patrimônio histórico pelos responsáveis pela sua manutenção, preocupados com um desenvolvimento que visa apenas o lucro, o econômico.

Desde cedo educado para também saber de onde vim, aprendi a conhecer e a amar esta terra em que governadores, políticos e homens públicos, presos ao ar-condicionado de seus gabinetes, condicionam-se a achar que o povo só tem fome de comida, esquecendo que preocupante é não ter passado, sem o qual não pode haver futuro.

No Acre até bem recente sua história não era ensinada sequer no ensino formal ou quando muito, era de forma tão precária que poucos das gerações mais jovens a conheciam. Hoje mesmo no curso superior de História apenas uma disciplina trata do assunto, mas nem tudo é visto, parecendo não causar muito interesse a história de nossa formação.

Raros monumentos ou construções sobreviveram aos tempos, rara documentação sobrevive mal acondicionada nos espaços públicos, enquanto outros a guardam como meros objetos de valor estimativo, apenas para adorno de suas casas, negando às gerações presentes o acesso às fontes de seu passado e por uma guarda não especializada, sujeita ao desaparecimento.

O estímulo para o resgate ou mesmo apenas o registro técnico de tanta raridade é nulo. Não existem segurança, disponibilização ou diretrizes para permitir a interação com o povo sem ameaçar sua integridade.

Vale ser ressaltado que o valor da memória é algo compreensível na medida em que se sabe que desde a mitologia greco-romana as musas que impulsionaram as artes, símbolo da evolução, são filhas da memória (mnemósine), significando que todo o avanço humano se deve à memória. Assim, cada povo, cada nação a cultua e a respeita como fonte de sua própria sobrevivência, enquanto outras impõem artifícios visando destruir ou retê-la para impor sua dominação.

Sabendo-se de seu valor e importância, é lamentável levarmos de cinco a dez anos para dizermos a um imigrante que ele não pode nem deve destruir um dado lugar, como o Seringal Bom Destino, porque ali foi onde nossos antepassados iniciaram a construção deste estado, um lugar sagrado de nossa memória ao qual devemos um mínimo de respeito. É lamentável também que, embora restaurando alguns pontos, não nos apressemos em salvaguardá-lo mediante não só as leis de que dispomos, com a ação cabível que é a desapropriação imediata, do que se mostrar desinteressado e negligente, desestimulando aqueles que ainda têm real respeito pelo passado.

Enfim, que gente ou povo somos nós, que prestes a comemorar o Centenário da Revolução, indiferentes se não a iminente perda da memória, mas com um comportamento moroso e negligente, ainda temos a ousadia de sonhar com um futuro melhor? Ou será que mereceríamos algum futuro negligenciando a memória, único alicerce de qualquer futuro que possamos sonhar ou merecer?

Enquanto permanecermos alheios a esse fato, mereceremos a cobiça de qualquer estrangeiro, pois não seremos nem donos, nem herdeiros desta terra, uma terra de ninguém ou terras não descobertas, em busca de quem investir mais...