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A síndrome

por petrolitano publicado 30/01/2012 10h01, última modificação 30/01/2012 10h01
Jornal Página 20, 23.03.2002

José Cláudio Mota Porfiro


O meu caro amigo Marcos Afonso Pontes de Souza, hoje ainda deputado federal, em realidade, foi acometido de uma síndrome muito peculiar aos escrupulosos, aos dignificados, aos homens verdadeiramente de bem, tão difíceis de achar por estes ermos do Planalto Central.

Eu não sou correto e cordato tanto quanto é o Marcos Afonso, mesmo porque as pessoas não podem ser exatamente iguais. Há algumas, sim  -  pouquíssimas  -  que podem até ser semelhantes, todavia, a igualdade é algo praticamente inexistente. As fôrmas do Grande Arquiteto (e Oleiro) são divinamente diferentes entre si. Mesmo assim, em alguns raros aspectos, vejo minha personalidade um tanto assemelhada à do amigo. Tenho, por vezes, também, sentido, ainda pela manhã, sintomas da síndrome que atacou fulminantemente o nobre deputado.

Ainda no início dos meus afazeres, cá por estas terras de tantos Príncipes e Maquiavels, em conversa com Sérgio Barros, o autômato, concordávamos sempre com as posturas políticas muito coerentes do Marcos Afonso. A nossa intenção maior era sempre fazer-lhe um aparte, em plenário, como se fora um aplauso, digno da estatura do seu caráter e das intenções sempre eivadas de justiça e benemerência.

Bem pior também fui eu que pensei poder caminhar incólume, bem tranqüilo, por estes corredores e salões arredios... Santa ingenuidade! Logo percebi estar redondamente enganado...

Fui bem vindo ao local dos meus novos vôos. Aquelas pessoas que assessoram os deputados, e que trabalham feito elefantes tailandeses, me receberam muito bem. Entretanto, logo ali pelos dias iniciais, presenciei uma cena dantesca, que não tem nada a ver com os meus amigos de trabalho.

O chefe de gabinete do deputado Armando Abílio, da Paraíba, já tardinha, começou a bradar em alto e bom som palavras do tipo: Ladrão! Safado! Corrupto! Fi-d’uma-égua!... Fui então ao corredor, de onde vinham os impropérios em linguajar marcadamente nordestino, para a averiguação dos fatos. Lá estava muito pálido um cidadão, em paletós luxuosos, encostado à parede, emudecido. Tratava-se do excelentíssimo senhor prefeito do município paraibano de Souza. As palavras foram tão duras e tão verdadeiras que o dito-cujo estava em estado de choque... Quase catatônico! Também, pudera! O seu detrator ainda o havia prometido carinhosamente enfiar-lhe uma bala nas fussas... Olha o ambiente em que me meti!... Que barraco!...

Dias depois, ante a porta do elevador, oitavo andar, anexo quatro, um deputado baixinho, talvez do Espírito Santo, fazia promessas mirabolantes, através do celular, a um interlocutor distante que parecia acreditar piamente no que ouvia, uma vez que o sacana de paletó dava piscadelas sugestivas a um cupincha que é muito útil e habilidoso ao lamber-lhe as botas.

E a toda hora e a todo momento ouve-se falar, sem ressalvas ou escrúpulos, em negociatas altamente escusas e perversas aos interesses da nação-povo.

Há ainda aquelas centenas diárias de indigentes que entram na Casa do Povo em busca de favores e dinheiro, principalmente, para tratamento de saúde. E chegam eles com a cara de famintos em busca de tornar realidade a promessa mentirosa que os sacanas de paletó fazem ao celular. São horas e horas a experimentar o humilhante chá-de-cadeira. Muitos dos nossos líderes do povo se escondem ou mandam dizer que viajaram. Outros inventam saídas que jamais culminarão no benefício solicitado. Ora bolas! Se o nobre oportunista não quer dar, para que promete? Por que fazer um miserável sem eira nem beira abalar-se dos sertões mineiros em busca de uma mentira?

É!... A luxuosa casa é do povo... E o povo, feito Lázaro, mesmo miserável, ali adentra em busca das migalhas que, com sorte, podem cair das mesas dos nossos reis. Mas sequer as migalhas caem e o povo continua faminto ou acometido de dengue, mesmo aqui nos arredores de Brasília, em Santa Maria, Vila Roriz ou Samambaia. Que dura é a minha realidade!

Há, é claro, as exceções! Há aqueles que se mantêm impassíveis ante a realidade drástica e conseguem fazer um trabalho relevante, sério, seja assistencialista ou ideológico. Sim, conheço alguns por aqui.

Mas estes verdes parques estão infestados de partidaristas. E eles falam muito mais da intimidade e das alcovas dos adversários  -  detratando-os  -  que de projetos de desenvolvimento social e humano, que venham a minorar o sofrimento dos sessenta milhões de brasileiros mendicantes que nada têm do que orgulhar-se...

Em verdade, tal qual Marcos Afonso, isto me faz muito mal. Está debilitada a saúde do meu espírito. Tenho até medo da incurabilidade desse mal contagioso chamado demagogia. Aqui é preciso ter a alma dos oportunistas para passar por esta experiência sem se condoer, sem ter piedade daqueles que erguem esses senhores além das suas cabeças, e lhes dão tanto poder apesar do caráter minguado e das ações eternamente dúbias e interesseiras.