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Buraco negro e reforma do pensamento

por petrolitano publicado 30/01/2012 09h43, última modificação 30/01/2012 09h43
Jornal Página 20, 21.03.2002

*Moisés Paixão de Souza


“A consciência humana expressa o significado de suas relações com o mundo objetivo através do conhecimento.”

Foi o que ouvi de um professor em uma aula de epistemologia. E atrevo-me a dizer que, percebi o significado dessa frase, e tomei-o como definição de conhecimento. O conhecimento é o resultado de um enfrentamento do mundo realizado pelo ser humano, e que só faz sentido na medida em que o produzimos e retemos como modo de compreender a realidade; servindo, assim, tanto como instrumento, quanto suporte na gerência da ação e interação com o mundo objetivo – a consciência é engendrada pelas relações sociais e do próprio objeto estudado ou observado – , ato este imprescindível para a formação do ser intelectual.

Lembro-me ainda, que, ao fazer um aparte acerca da proposição e problemática do objeto, indaguei: Se fizermos perguntas baseados em um único modo de pensar, as respostas não serão apenas reprodução da lógica a qual nos submetemos? Recebi como resposta uma outra pergunta: se dissermos/provarmos que essa lógica em que estamos inseridos e vivendo não é verdadeira... aonde estamos pisando?! Entre risos dos colegas tive que me calar, ante a impossibilidade de responder a uma interrogação proposta por mim mesmo. Caíra no buraco negro!

E, hoje, três anos depois, deparo-me deslumbrado ante a abordagem do Pensar Complexo; modo de pensar contestador – que surge em meio a um paradigma científico da disjunção e da redução, que nos torna cegos, nesta era de globalidade e mundialização – que busca religar os domínios separados do conhecimento através de fios dialógicos de compreensão. Pensamento este que propõe uma reforma no pensamento, reforma não programática, mas paradigmática, atinente à aptidão para organizar o conhecimento.

Agora, mais uma vez ouso falar que consigo divisar que a cognitividade não poderia se dar, no sentido amplo do  termo, partindo de um paradigma que não pode apreender as múltiplas faces da sociedade e seus problemas, pois a lógica a que obedece estende à sociedade e às relações humanas os constrangimentos e os mecanismos inumanos da máquina artificial e sua visão determinista, mecanicista, quantitativa, formalista; e ignora, oculta ou dilui tudo que é subjetivo, afetivo, livre, criador.

Se, como descrevemos acima, o conhecimento só é conhecimento enquanto organização, relacionado com as informações e inserido no contexto destas, realidades ou problemas cada vez mais polidiciplinares, transversais, multidimensionais, transacionais, globais e planetários, só se dariam a conhecer partindo de uma ótica – totalmente adversa a essa que nos envolve – que revele a relação simbiótica que existe entre razão e emoção, corpo e alma, inteligência e instinto; que nos faça perceber a nossa face de homo sapiens-demens, isto é, o homem humano.

Entretanto, para fazermos um conhecimento a partir desta percepção de mundo, precisaríamos de uma reforma do pensar. Mas, como reformar partindo de um tipo de inteligência que precisa ser reformada? E aqui chegamos a um impasse: não se pode reformar uma instituição, sem uma prévia reforma das mentes, mas não se pode reformar as mentes sem uma prévia reforma das instituições. Essa é uma impossibilidade lógica que produz um duplo bloqueio. Há resistências inacreditáveis a essa reforma, a um tempo una e dupla. Este é o chamado buraco negro.

Gostaria de chamar a atenção para a palavra reforma, a palavra reformar em si, imbui o sentido de transformação em cima de algo já dado, significa dar melhor forma; corrigir (leis e os costumes), consertar, renovar; podemos ainda usar como sinônimo uma definição brilhante de Hegel, ao definir a superação dialética, que seria “negação de uma determinada realidade, a conservação de algo de essencial que existe nessa realidade negada e a relação dela a um nível superior”, é, essa a definição que melhor abarca o sentido da palavra transformar, pois nos leva a identificar aonde tudo se relaciona em diferentes níveis, ou seja as contradições concretas das partes que dão forma à totalidade.

Chegamos, portanto, ao âmago da questão; se reformar o pensamento é uma necessidade social chave para se chegar a um conhecimento pertinente, e, quando digo pertinente, quero dizer um conhecimento capaz de situar qualquer informação em seu contexto e, se possível no conjunto em que está inserido. Descobrimos também que reformar é demudar em cima de algo já dado, destarte, essa reforma só poderia se dar no âmbito do ensino; a imensa máquina da educação, rígida e inflexível, fechada, burocratizada, onde muitos professores estão instalados em seus hábitos e autonomia disciplinares. Então não há como sair do buraco negro, você pode pensar, já que sua solução, como sabemos, depende das transformações em processo no mundo.

Mas, é justamente aí que surge a saída, essas transformações dependem da crescente conscientização dos homens, em relação a elas e ao novo lugar que cabe a cada um de nós no novo universo. A complexidade de novo mundo em processo é pois a nova perspectiva, por meio da qual o novo conhecimento deve ser procurado. Portanto a resposta depende da multiplicação dos estudos experimentais, pelos pequenos grupos e pelo envolvimento dos professores. Mas é preciso começar e o começo pode ser desviante e marginal; pois, como sempre, a iniciativa só pode partir de uma minoria, a princípio incompreendida, às vezes perseguida. Depois a idéia é disseminada e, quando se difunde, torna-se força atuante. Assim sendo todas as experiências, no sentido de "articular os saberes" em torno de projetos que dinamizem o conhecimento de modo fecundo, são positivas. A ação adquire um novo sentido: fazer as apostas; pois, assim como o mundo, a ética se autoproduz.

Enfim, nos rastros do pensamento complexo, o que nos importa ressaltar aqui é o fato de que, para encontrar um novo centro ou novo ponto de apoio, para uma nova ordem (mesmo que seja provisória), em meio ao universo de dúvidas e incertezas que assaltam o sujeito interrogante diante desse mundo belo/ horrível, em acelerada transformação; vê-se que o necessário não é bem abrir as fronteiras entre as disciplinas – para poder elucidar as relações de reciprocidade entre partes e todo, bem como reconhecer o elo natural e insensível que liga as coisas mais distantes e mais diferentes –, mas transformar o que gera essas fronteiras: os princípios organizadores do conhecimento. Uma educação que acabe com disjunção entre as duas culturas, daria capacidade para se responder aos formidáveis desafios da globalidade e da complexidade na vida quotidiana, social, política, nacional e mundial.

Para finalizarmos usaremos uma citação de Morin, um dos precursores do pensar complexo: “Conhecer é também uma estratégia, que pode se modificar em relação ao programa inicial, que é flexível e leva em conta o que chamo de ecologia da ação. Sabe-se hoje que uma ação, lançada ao mundo, entra num turbilhão de interações e retroações, que podem se voltar contra a intenção inicial.“

Hoje, como sujeito interrogante posso dizer que, saí do buraco negro, e você?

*Estudante de Ciências Sociais na Ufac