Você está aqui: Página Inicial > Notícias da UFAC > Ufac na Imprensa > Edições 2002 > Março > Desorientações
conteúdo

Desorientações

por petrolitano publicado 30/01/2012 09h50, última modificação 30/01/2012 09h50
Jornal Página 20, 19.03.2002

Francisco Dandão


Cristovam Buarque, ex-governador do Distrito Federal e doutor em economia, entre muitos outros itens de uma vivência riquíssima, tanto do ponto de vista político quanto acadêmico, abre um artigo na edição de domingo do jornal Folha de S. Paulo afirmando que “a principal característica do mundo atual é a desorientação”.

Explica em seguida que a desorientação é total, abrangendo os mais variados aspectos da sociedade global, seja nos padrões estéticos, seja nos parâmetros econômicos, seja no que diz respeito aos valores éticos. Pelas palavras dele, estamos todos meio que iguais aos protagonistas daquela história dos cegos que caíram inadvertidamente no meio de um tiroteio.

A afirmação do escritor, embora seja genérica, atém-se ao primeiro parágrafo do artigo. Ele a usou somente à guisa de preâmbulo, para poder contextualizar o que realmente lhe interessava colocar em pauta: a desorientação que permeia hoje os partidos políticos brasileiros, no mais das vezes abrigando tendências díspares sob uma mesma grande bandeira.

Li com atenção o artigo e conclui que nada teria a acrescentar ao pensamento do doutor Cristovam Buarque no que diz respeito à confusão reinante no meio dos partidos. Nada teria a acrescentar, muito menos poderia contestar alguma coisa. Uma contestação ruiria diante de qualquer análise, por mais simples que fosse. Bastaria para isso um olhar em volta.

No que diz respeito aos outros quesitos, entretanto, padrões estéticos, parâmetros econômicos e valores éticos da sociedade moderna (pós-moderna, virtual, clonada ou o diabo que a carregue num tridente flamejante), creio que vale a pena um ou outro “pitaco”. Inclusive porque o articulista não se aprofundou nesses aspectos (não era a sua intenção).

Para mim, caminhando em direção diametralmente oposta ao que preconiza Buarque, não há nos dias atuais nenhuma desorientação estética, econômica ou ética. Há, isso sim, uma ditadura galopante do igual, uma padronização massacrante que acaba tornando a maioria de nós sujeitos repetitivos de um mesmo padrão e conduzidos para um mesmo fim.

Veja-se a questão da estética, pelo ângulo da moda. Desde que uma inglesa, nos idos anos de 1960, mostrou para o mundo a sua compleição esquelética, pronto, virou sinônimo de beleza até os dias que correm. E não há quem convença o resto das mulheres de que uma gordurinha aqui e ali não faz mal. Vixe, sai pra lá, antes virar um cabide do que parecer um barril!

Quanto aos padrões econômicos, não imagino que exista outro rumo, sonho ou miração (dormindo ou não) que não seja o da acumulação. Quem é que não quer ter sempre uns trocadinhos a mais? Hein? Hein? Hein? Show do milhão, casa cheia de artistas, grande irmão, nunca ninguém jamais se cansa ou chega no limite, o que vale é mesmo tudo por dinheiro.

Ética, então, salvo raríssimas exceções (aquelas coisas que existem basicamente para dar veracidade às regras), é produto em franca extinção (Aristóteles, coitado, a essa altura deve estar igual a um carrossel de tanto se virar na sua tumba de sábio grego). Quem pode mais, em nenhuma hipótese vai querer menos, não importam os meios nem os corpos estirados na poeira.

Claro, eu digo isso tudo, mas em tese me contraponho todos os dias a todos esses direcionamentos globais. Mas só em tese, que, pensando bem, um corpinho sarado, uma graninha extra na poupança e uma malandragenzinha para passar a perna nos otários não fazem mal a ninguém. Ou não?

Quem for contra que levante o dedo. E os desorientados que permaneçam como tal. Desde que consumam... E desde que também não esqueçam de eleger os líderes que os tornem orientados. Para sempre, amém!