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Observações

por petrolitano publicado 30/01/2012 09h45, última modificação 30/01/2012 09h45
Jornal Página 20, 12.03.2002

Francisco Dandão


Estive em Brasília no começo da semana que passou. Fui para o lançamento de um portal de Internet, o Universia, onde estão disponibilizadas informações gerais a respeito de mais de Quatrocentas universidades espalhadas pelos países de línguas espanhola e portuguesa. Projeto ambicioso, capitaneado por empresas européias. Interessante, muito interessante.

Foi um prazer rever a capital brasileira. Morei lá durante três anos, na época em que cursava mestrado em Comunicação Social. Bela cidade. Junção de correntes várias, tanto de pensamento quanto de ação. Caldeirão antropológico, sociológico e cultural. Tem lugar para tudo e para todos em Brasília, de místicos unidimensionais a materialistas renitentes.

Naturalmente essas são duas raças (a dos místicos e a dos materialistas) que não se misturam. Seus adeptos guardam conveniente distância entre si. Incensos, sais aromáticos, runas, tarôs para um lado. Intrigas palacianas, dossiês, grampos telefônicos e moedas de ouro para o lado oposto. O dual está em tudo. Até na sombra sobre as conchas do prédio do Congresso.

Dentro disso estão as linhas arrojadas, curvas desafiando a gravidade (Isaac Newton andasse ainda por aí, teria que repensar tudo de novo), horizonte em harmonia com a pedra que um dia o traço do arquiteto soprou para a vida. Paralelas descaídas, eternamente em fuga para um infinito cada vez mais iluminado (por isso os óculos escuros dos transeuntes).

Os enormes espaços, para os detratores da metrópole plantada no cerrado por Juscelino Kubitschek, são o maior problema. Eles sentem-se solitários. Enganam-se. Eu diria que a sua noção de solidão é falsa. Eles têm, isso sim, é medo da sua ínfima massa corpórea. Descobrem-se extremamente pequenos ao caminhar pela Esplanada dos Ministérios.

Dessa vez a minha passagem por Brasília foi rapidíssima. Um dia e meio, quase nada. Não deu nem para um périplo pelos lugares onde eu mais gostava de ir quando morava por lá ou para uma visita aos amigos mais próximos que acabaram ficando para trás. Não cheguei sequer a telefonar para nenhum deles. Apenas e tão-somente cumpri compromissos de agenda.

Na chegada ao hotel (o Blue Tree Tower, novíssimo, chiquérrimo, às margens do lago Paranoá, o mesmo onde estava hospedado o nariz majestoso do Príncipe Charles), a propósito, já havia inclusive uma cartinha esperando no apartamento com todos os passos que tinham que ser dados durante a estada (acordar, escovar os dentes, fazer xixi, café, ônibus, aeroporto etc.).

Literalmente, posso dizer que passei pela cidade correndo. Tão veloz que, fosse o meu corpo um automóvel, teria excedido facilmente os limites de velocidade das largas avenidas que cortam o Plano Piloto em cruz (Lúcio Costa preferia a imagem do pássaro e não o símbolo do flagelo cristão, mas essa é uma outra história). E, a essa altura, a multa já estaria a caminho.

Mesmo passando com rapidez, no entanto, deu para notar que muita coisa em Brasília continua bastante semelhante a outrora. A movimentação dos políticos é uma dessas coisas. Notei muitos deles, ternos bem talhados, sapatos brilhantes, sorrisos cúmplices, ares de conspiração vazando pelos cantos dos olhos. Não enganam mais a ninguém, por mais que disfarcem.

Ah, sim, a parte mais interessante das minhas observações eu já ia esquecendo. Havia duas equipes disputando uma animada peleja de cabo-de-guerra, esporte muito popular entre os antigos habitantes da Terra Brazilis, meio que em desuso nesse início de século XXI.

Na imprensa os dois times eram conhecidos por uma espécie de sopa de letrinhas. Os que demonstravam mais agressividade se autodenominavam turma do PFL. Os mais, digamos, recatados (sonsos, talvez, que recato é atributo de donzela em romance de Machado de Assis) pediam para ser chamados de galera do PSDB.

O resultado do jogo eu não fiquei sabendo. Talvez todos nós saibamos só em outubro. Talvez não saibamos nunca. Nem sei se isso importa muito. Afinal, há sempre um princípio de incerteza em todo fundo de verdade. E eles, os jogadores dos dois times referidos, sabem disso muito bem. Por isso jogam... E blefam como ninguém.