Você está aqui: Página Inicial > Notícias da UFAC > Ufac na Imprensa > Edições 2001 > Abril > Acerca da causa negra
conteúdo

Acerca da causa negra

por petrolitano publicado 31/10/2011 14h50, última modificação 31/10/2011 14h50
Jornal Página 20, 18.04.2001
José Cláudio Mota Porfiro
Não dá mais para esconder de críticos da minha estirpe que, em verdade, entre as nossas medíocres lideranças nacionais, há um desinteresse geral pelas questões de cunho social levantadas pelos intelectuais orgânicos e poetas pobres, gente da periferia nacional que sobrevive na vergonha que é sentir-se marginalizado num país que verdadeiramente é a oitava economia do mundo.

Um dia o Cazuza disse - e ainda diz - a todos os habitantes deste país continente, praticante do esporte bretão, que o cartão de crédito de negros, pobres e prostitutas é uma navalha. E não poderia deixar de ser, uma vez que falta ocupação digna para a maioria dos habitantes dos guetos, morros, alagados e favelas do Brasil.

Nós não somos apenas as belas avenidas, arranha-céus e praias do extenso litoral. Por trás desta beleza enganadora sobrevive o feio, o trágico e o vergonhoso, a respeito do que é preciso muito mais atenção, posto que a maioria da população ali está, sobrevivendo das migalhas que caem das mesas da nossa elite ao mesmo tempo mesquinha e burra.

Segundo a revista Istoé nº1634, os hipócritas a serviço do Estado não admitem que a violência virou realidade nacional. MV Bill, o rapper carioca, em entrevista concedida à citada revista, assinala que jamais faria a apologia do crime. É que, ao produzir um clipe - Soldado do morro - usando traficantes reais, as autoridades não viram ali o lamento de um negro, de um Castro Alves ou Aluisio de Azevedo pós-moderno, que fala das agruras que é ser pobre e negro nesta merreca de país terceiro-mundista.

Há toda uma mensagem social e política na letra do rap, mas o Estado preferiu ver ali apenas a questão criminal que a própria sociedade carioca ensejou e construiu ao promover uma discriminação ferrenha contra todo e qualquer cidadão habitante do morro.

Ora, o soldado do morro existe porque as lideranças de ontem e de hoje, de Pedro II a Anthony Garotinho, jamais tiveram a preocupação de arranjar ocupação digna para negros que, depois de libertos, não souberam o que fazer em meio a uma sociedade eivada de preconceitos raciais, e intolerante quanto ao papel educativo que poderia ter dado rumos mais brilhantes à história da mulatada brasileira.

Evidentemente, não é difícil concluir que, sem emprego e desesperançados com relação a outras oportunidades, os jovens pobres desta terra brasilis findarão enveredando no mundo do crime, da prostituição e das drogas. Se as ditas autoridades - brancas - municiarem a nossa juventude com instrução digna (o que seria prejudicial aos que se perpetuam no poder), essa mulatada ainda vai saber muito bem dirigir um país como o Brasil, onde a maioria maciça da população é negra ou mestiça e vive do subemprego ou na miséria das marquises e dos viadutos, onde crianças brasileiras choram de fome e os pais de vergonha.

Mas este é um país que detesta a verdade - inclusive certas verdades de um recanto amazônico denominado Acre - onde ainda há muitos espertalhões e locupletantes que sugam o dinheiro do povo ao cobrar-lhe taxas e impostos por obras que farão em suas casas, ou em suas fazendas, ou nas viagens de veraneio que empreendem rumo ao litoral nordestino. Aqui, há, sim, muita gente atrelada ao poder à custa do jogo sujo, da mentira e da bandalheira (geléia) geral.

As favelas do Rio de Janeiro existem, com certeza. Os alagados de Salvador também. Não é obra de ficção aqueles cortiços de papelão na entrada da Maceió de Fernando Collor e PC Farias; assim como são reais as palafitas sorumbáticas da periferia de Rio Branco, onde pulula a miséria humana pedinte em programas de auditório que têm o jeitão muito próprio de um Acre com a cara faminta, a exemplo do assistencialista Sábado Show, da nossa TV5.

Irmãos meus, Rui Santana e Francisco Dandão, mulatos como eu, crentes na força desta correnteza, é lá na periferia, tanto de lá como de cá, onde impera a violência. Piores são os contornos ainda mais drásticos e nítidos, quando a polícia não pode conter a bandidagem porque líderes políticos nossos são os bandidos...; e porque as ruas inexistem e carros que garantiriam a segurança são impedidos de trafegar, em vista de muita lama e da vegetação espessa que se estende por cima dos ninhos de aeds egypt e coliformes fecais.

Então, eis que aparece no Fantástico do último domingo um sociólogo sonolento, atrasadíssimo. O extenuado moço chegou à brilhante conclusão segundo a qual a violência do aparato policial do Estado brasileiro é aplicada quase que tão somente contra negros e pobres. Ora porra! O Lima Barreto falou isso há cem anos! E eu só vi o Darci Ribeiro (hoje falecido) fazer alguma coisa realmente animadora ao construir os CIEPs, no Rio de Janeiro, hoje quase todos em estado de ruína.

Assevero-vos que sou candidato a soldado do morro, ou a militante político. É esta a hora de a Causa negra - congregação politizadora existente nas maiores cidades do Brasil - pensar a formação de um partido político segundo as feições do movimento negro. Entre nós, negros e mulatos, há gente de qualidade moral bem superior a um certo Toninho Malvadeza, ou Barbalho Paraense, ou Eliseu Padilha, o homem que nutre ódio profundo pelo povo do Acre, principalmente a parcela pobre que já cansada habita o vales dos rios mais ao norte do Estado.