Você está aqui: Página Inicial > Notícias da UFAC > Ufac na Imprensa > Edições 2001 > Abril > Reserva florestal: para quê?
conteúdo

Reserva florestal: para quê?

por petrolitano publicado 31/10/2011 14h59, última modificação 31/10/2011 14h59
Jornal A Gazeta, 20.04.2001

Mauro Ribeiro


De vez em quando volta a cena a discussão sobre a preservação da Amazônia. Ambientalistas remunerados, convictos ou corporativos, defrontam-se com agentes dos setores produtivos, alguns com posicionamentos éticos, outros nem tanto.

Tenho assistido com cada vez mais preocupação o rumo que esse tipo de debate vem tomando e, humildemente, confesso a minha quase completa ignorância sobre alguns dos aspectos tomados como argumentos de lado a lado.

A recente discussão sobre as alterações do Código Florestal evidenciam o quanto é precário o entendimento técnico dessa questão. Permanecemos discutindo o cabalístico percentual definidor das áreas de preservação permanente (ou reserva legal) - que subiu de 50% para 80% - sem olhar para alguns aspectos que poderiam ajudar a todos nós, amazônidas, a melhor ordenar o nosso processo de desenvolvimento.

Sou contra o desmate indiscriminado, predatório e oportunista; Tenho essa mesma compreensão para a proibição canhestra e discriminatória imposta ao nosso destino, que tem transformado os que tentam produzir por aqui em alvo fácil da fúria fiscal dos órgãos ambientais da Amazônia.

Na verdade, esse transtorno é explicado pela ausência absoluta de um modelo auto-sustentado e não-predatório de utilização econômica do nosso potencial. Até agora, as alternativas apresentadas (sistemas agroflorestais, reservas extrativistas, neoextrativismo etc.) são apenas mantenedoras das condições miseráveis de um povo e evidências sofridas do total desprezo com o destino das populações tradicionais, deixando argumentos para os que vêem nessa situação, o dedo da luta ideológica a partir de financiamentos obtidos através do compadrio com interesses estranhos à nossa soberania.

Não vejo razão para a fixação de um índice tão elevado (80%) de manutenção das nossas matas, afinal ele incidirá de maneira perversa sobre a parcela remanescente, aquela que escapa dos muitos tipos de unidades de conservação e áreas protegidas por instrumentos legais. Nesta situação, para falar apenas do Acre, são milhares de quilômetros quadrados em parques nacionais, reservas indígenas e florestais, reservas coletivas, estações biológicas, nascentes e margens de rios e igarapés, e ainda uma boa área ocupada com os núcleos urbanos, fora os antigos 50% de reserva florestal já averbada por muitos produtores, em acordo à legislação vigente da época.

Estudos anteriores promovidos pelo Imac e pela Funtac apontavam que toda a área destinada à preservação já superava a absurda marca de 65%. Ou seja: do que sobra, a atual medida provisória “autoriza” a exploração de apenas 20% . Trata-se de uma intervenção ridícula, que faz bem apenas aos olhos azuis dos que financiam a manutenção do “status-quo”.

Precisamos tirar da cabeça essa coisa de que todo produtor desenvolve atividades destrutivas e inoportunas em suas áreas. Se isso é verdadeiro para um número cada vez menor e facilmente identificável desses agentes perniciosos, é também real que há muita gente interessada em alterar as atuais condições de produção na Amazônia, caracterizadas por elevado consumo de tempo para a formação de produtos (madeira) e produtividade sofrível da atividade extrativista, transformada em criminosa perda de trabalho.

É urgente avançar com o Zoneamento Ecológico Econômico. Apontar, de maneira clara e sem preconceitos, os espaços livres à exploração econômica distinguindo-os daqueles defendidos por legislações especiais, incluindo-se – além dos já citados - as estações ecológicas, as cabeceiras de drenagem e outras zonas de proteção parcial ou total.

Esse passo será fundamental, também, para tirar o Acre dessa rota de cenários negativos, em que só é valorizado quem não produz, quem fofoca, quem dedura, quem odeia. Um Acre assim, ninguém precisa. Pode até deixar a reserva legal em 100%.

Mauro Ribeiro é professor da Ufac