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Duas décadas depois

por petrolitano publicado 20/10/2011 12h35, última modificação 20/10/2011 12h33
Jornal A Gazeta, 17.02.2001

* Ocimar L. Mendes

João Eduardo, pedreiro de profissão, homem de poucas letras, líder comunitário assassinado pelo sistema. Como bem cantou Padre Asfury em seu memorável tributo póstumo, "a culpa é do sistema que mata, maltrata, oprime, reprime e sempre... sempre vive".

Contemporâneo de minha infância memorial militava no movimento social, a partir das comunidades eclesiais de base, junto com companheiros como: Miguelzinho, Granjeiro, Bezerrinha, Maria do Cabelão, entre outros. De um tempo em que o exercício e a prática religiosa estavam indissociavelmente ligados aos problemas sociais. No evangelho discutido em pequenos grupos se evocavam as angústias, as dificuldades, o desemprego, a falta de saneamento básico. A parábola viva da Bíblia se transfigurava em realidade vivenciada no dia-a-dia, os cantos entoados eram um convite à utopia de um mundo melhor, subvertendo a ordem e trazendo para si a responsabilidade desta transformação.

A passionalidade com que escrevo se dá pela presença inconsciente de um menino que vivenciou todo o processo; desde o assassinato de Ozana (moça encontrada morta num matagal, hoje denominado João Eduardo); aquele corpo dilacerado pelos abutres ainda está presente na minha memória. Como está presente o ato público, os discursos com causa, a passeata, as faixas de protesto, e o enterro, numa chuva que não dispersou a multidão.

Diversos movimentos se unificaram para diante da morte de uma liderança questionar a estrutura social vigente; um ato político de um movimento próximo, bem próximo ao povo. Aquela invasão principiou-se pelo assassinato de Ozana. No entanto a rapidez com que se processou, evidenciou o estrangulamento da política habitacional, acirrado pelo êxodo rural, impulsionado naquela década de oitenta pela frente agropecuária, seringueiros, pequenos produtores que afluíam para a periferia da cidade com o objetivo de reconstruírem suas vidas.

A maior invasão de Rio Branco foi demarcada por voluntários, cientes da responsabilidade social, os lotes eram distribuídos a cada um que precisasse; as ruas, o lugar para a igreja, o lugar para a escola, foram definidos em reunião; a maioria definia o caminho que norteava as ações das lideranças. Trazer à tona esse passado próximo, se faz necessário para refletirmos sobre o movimento comunitário que temos, onde chegamos. Qual o impacto causado pelo surgimento da Umarb.

O movimento fragilizou-se pela fragmentação, por e através das ingerências partidárias. Outro aspecto diz respeito à representatividade do líder, quem representa? Como poderíamos distinguir o que são interesses comuns e particulares.

Neste oceano de inquietações se encontra, após duas décadas do assassinato de João Eduardo, o movimento comunitário. As demandas sociais urgem por respostas, poderemos dar um passo adiante, discutindo o movimento de 20 anos atrás.

* Ocimar L. Mendes é discente do curso de História da Ufac.