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Fragmentos da história de Florence Nightingale

por petrolitano publicado 20/10/2011 11h47, última modificação 20/10/2011 11h47
Jornal A Gazeta, 10.02.2001

Rosimary Brasil Muniz *

 

Para falar desta personalidade é necessário situá-la no contexto histórico, político e econômico da época. Florence Nigtingale nasceu em Florença, na Itália, em 1820, durante uma viagem que sua família, ingleses ricos, realizava na Europa. Passou a infância em localidade rural, o que influenciou a sua visão no que diz respeito à harmonia do ser humano com o mundo, ambiente, família, saúde e doença.

Florence tinha uma irmã totalmente diferente. Na época havia muita rigidez, e a mulher tinha participação apenas em eventos sociais como festas, jantares além de ser padronizado o casamento: ter filhos era o esperado pelas famílias. Sua formação era diversificada. Ela falava inglês, francês, alemão, aprendendo com o pai latim, grego, matemática e estatística. Tinha conhecimento de História Universal, História Política da Inglaterra, técnicas de canto, piano e bordado. Um conhecimento fora do comum para uma mulher. Devido sua família participar politicamente e ter um convívio com personalidades, Florence, apesar de não opinar, somaria isto no seu desempenho como administradora no futuro.

Recusou dois pedidos de casamento. Isto não fazia parte de seu projeto de vida, pois ela queria liberdade para desenvolver um trabalho direcionado ao cuidado e atender um chamado de Deus. Passou por períodos de angústia, solidão, recusando os padrões da mulher imposta pela sociedade local.

Ao compararmos as grandes transformações no final do século passado com o que estamos vivenciando, percebemos que alguns fatos históricos estão se repetindo, embora cada um dentro de suas especificidades. A exemplo, um fato ocorrido na Inglaterra foi a Revolução Industrial (Europa e EUA nos séculos XVIII e XIX), determinando naquele momento novas formas de relacionamento de trabalho, como pode ser observado pela crítica de Charles Chaplin no filme "Tempos Modernos", em que o mais importante era a equação máquina versus produção. Junto a isso, as transformações ocorrem na forma de cuidar do outro frente a doença.

Surge a figura de Florence, trazendo à luz a questão sobre "o que a enfermagem deve fazer":

"Utilizo a palavra enfermagem por falta de outra melhor. Seu sentido foi limitado e passou a significar pouco mais que a administração de medicamentos e aplicação de cataplasma. Deveria significar o uso apropriado de ar puro, iluminação, aquecimento, limpeza, silêncio e a seleção adequada tanto da dieta quanto da maneira de serví-la, tudo com um mínimo de dispêndio da capacidade vital do paciente".

Podemos observar que a enfermagem, desde sua origem, teve uma abordagem dentro de padrões holísticos. Florence, por acreditar no que dizia e fazia, conquistou toda a sociedade da época onde eram estabelecidos para a enfermagem as normas, diretrizes e rotinas. Além de sua preocupação com os registros desde criança (uso de diário) e na enfermagem através destes, deixou uma verdadeira obra prima.

Durante a guerra da Criméia (1853-1856), que ocorreu em março de 1854, Florence participou como enfermeira voluntária. Preocupava-se com os dados estatísticos, anestesia, (ficou comovida com as amputações dos soldados), sendo que havia certa resistência por parte de alguns médicos quanto a este procedimento. Começou a trabalhar, ganhando tanta credibilidade que obteve autorização para usar fundos privados e doações. Preocupava-se com o relacionamento entre doente e família, por isso convidava as mulheres para lavarem as roupas de seus maridos, antecipando a linha humanística adotada por alguns segmentos da enfermagem moderna. Também remetia o dinheiro dos soldados para famílias que estavam distantes, assim como escrevia e respondia, cartas. Tudo isso com muita determinação.

Florence viveu até quase 90 anos. Só parou de escrever quando ficou cega. Publicou quatro livros. O de maior sucesso foi "Notes of Nursing" que vendeu 15 mil exemplares em um mês (em 1859), havendo até hoje mais de 50 edições.

De acordo com o exposto, podemos dizer que Florence foi uma profissional que se enquadraria muito bem no contexto atual, tendo apenas que adaptar-se quanto as novas patologias e a tecnologia vigente. Mas, no que se refere a enfermagem, ela foi completa em suas abordagens e inspirou, com seu trabalho, as teorias ou bases da profissão e a criação da Cruz Vermelha.

A minha crença é que neste início século surja uma nova estrela que possa oferecer a enfermagem novos ânimos na sua forma de cuidar dos outros e de si mesma. Pois observamos, de forma bem evidente, no nosso dia-a-dia, uma parcela da enfermagem atrelada ao mercado de trabalho, o que, talvez, caracterize a procura excessiva ao curso oferecido pela Universidade Federal do Acre (Ufac), contradizendo Florence, que rompeu com todos os padrões de sua época, sua família, país e fez surgir uma profissão que foi reverenciada por todos.

  • Rosimary Brasil Muniz é enfermeira do Centro de Saúde Barral y Barral 
    e especialista em Enfermagem Obstétrica pela Universidade Federal do Acre – UFAC.