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Vamos femininizar o mundo

por petrolitano publicado 20/10/2011 11h51, última modificação 20/10/2011 11h51
Jornal O Estado, 11.02.2001

Sávio Maia

Sabemos que o planeta Terra e os homens que nele habitam não vão bem. O planeta está sofrendo e se deteriorando rapidamente, pela ação nefasta, predatória e irracional implementada pelo homem, na sua sanha devastadora em busca do lucro. Trata a terra, os rios, o mar, que são elementos vitais para a nossa existência, como produtos descartáveis. Até os raios do próprio sol, o homem consegue influenciar. A camada de ozônio que filtra os raios nocivos está sendo destruída e, agora, o sol que só nos fazia bem, torna-se uma grave ameaça.

Mas não é da degenerescência do planeta que quero falar, porque, talvez, antes que consigamos destruí-lo, já o teremos feito a nós mesmos. Vou falar apenas de dois aspectos dessa irracionalidade e do grau de perversidade que eles carregam. Refiro-me ao machismo e ao patriarcalismo, que são dois comportamentos atualíssimos e em plena expansão.

O machismo e o patriarcalismo são duas ideologias congruentes, articuladas, bem difundidas e assimiladas em todos os países. Suas raízes são tão profundas que perpassam a Bíblia, o Alcorão, os Códigos Civis, as Ciências, chegando à família e tomando de conta de quase todos os homens e boa parte das mulheres.

Seus princípios estão assentados no autoritarismo, no racismo, na vigilância, na punição, na estereotipação da mulher como ser sem caráter, inferior, carente de direção e comando. Mesmo São Paulo, que é o apóstolo do amor, em carta aos coríntos, explicava: "A cabeça da mulher é o homem". O patriarcalismo – machismo são tão exacerbados que o próprio Deus, o Senhor, como se vê, é homem.

Essa intervenção de veio autoritária, obscura e totalizante, serve entre outros fins, para mascarar a realidade, ou seja, a falência desses modelos anacrônicos de relações sociais. O mundo dirigido pelos homens é o mundo das guerras, da fome, do analfabetismo, da insegurança, do individualismo, das incertezas, em suma, é um mundo caótico. Tão caótico que ele não consegue perceber que as mulheres, embora formando a maioria dos habitantes do planeta, ainda são tratadas como minorias. Seus direitos são, cotidianamente, desrespeitados. Seu comportamento , avesso à agressão física, é caracterizado como símbolo de fraqueza.

Porém, quando interessa, não é raro rotulá-las com adjetivos desmerecedores: são conspiradoras, fuxiqueiras, traidoras, diabólicas (quem nunca ouviu a expressão "mulher tem parte com o Demo"), feiticeiras, bruxas, etc.

"Como também com os índios e negros, a mulher é inferior, mas ameaça". "É preferível a maldade do homem à bondade da mulher", advertia o Eclesiastes (42, 14). E Ulisses sabia muito bem que precisava prevenir-se do canto das sereias, que cativam e desgraçam o homem. Não há tradição cultural que não justifique o monopólio masculino das armas e da palavra nem há tradição popular que não perpetue o desprestígio da mulher ou que não a aponte como um perigo. Ensinam os provérbios, transmitidos por herança, que a mulher e a mentira nasceram no mesmo dia e que a palavra da mulher não vale um alfinete e, na mitologia rural latino-americana, são quase sempre fantasmas de mulheres, as terríveis almas penadas, que por vingança assustam os viajantes nos caminhos", conta Eduardo Galeano.

Mas, será mesmo essa a realidade do mundo feminino? Se as mulheres são tão perversas, porque, então, noventa e cinco por cento dos assassinatos são cometidos por seres do sexo masculino? Se os homens são tão capazes, porque, então, são responsáveis por quase oitenta por cento dos acidentes de trânsito? (Alguns, têm coragem de alegar que é porque os homens são maioria como condutores). Não são eles quem dirigem a maioria esmagadora dos países do mundo, porque, então, não resolvem os problemas elencados acima? Em todo ato de traição conjugal a mulher é quase sempre apresentada como vilã, sendo o homem a vítima, mas o ato exige, no mínimo, dois. Porque, então, só um lado é vilão?

O medo de perder o poder faz com que os homens continuem a construir e reconstruir a dominação. Recentemente um desses grupos de bundalização está cantando que "uns tapinhas não doem"; os pagodeiros padronizaram a "mulher de malandro", "a minha nega"; para o bolero, todas são "ingratas"; para o tango, são todas "putas" (menos mamã); para alguns roqueiros, são todas "vacas". Os machões não suportam os homossexuais, porque acham que eles traíram a condição de superioridade masculina.

Sei que não é fácil para um garoto ser chamado de "mulherzinha", quando ele rejeita uma briga. Mas, aí reside a redenção da condição feminina e a mais importante lição de respeito à condição humana, a não agressão. As mulheres, com seus comportamentos "diferentes", avessas às agressões e sintonizadas com as argumentações, com os convencimentos, são lições mais do que explícitas de que o mundo pode ser melhor. Cabe a nós, homens, entendermos.

Sávio Maia é professor da Ufac e sindicalista.