Você está aqui: Página Inicial > Notícias da UFAC > Ufac na Imprensa > Edições 2001 > Janeiro > Opressão e opressores
conteúdo

Opressão e opressores

por petrolitano publicado 10/10/2011 11h58, última modificação 10/10/2011 11h58
Jornal Pagina 20, de 17/01/2001

José Cláudio Mota Porfiro

Serei talvez hoje um tanto professoral. As circunstâncias o exigem. Estou a escrever por encomenda. Vão as desculpas aos meus sempre obsequiosos críticos construtivos!

Dia desses, estava eu num dos locais de convivência do Campus da UFAC. Havia por ali um grupo de alunos que discutia sobre alguns temas ligeiramente relacionados a aspectos práticos da vã filosofia. Tinham eles acabado de sair da apresentação de um trabalho acadêmico. É claro que havia pouca consistência no debate, mas um deles me reconheceu e me chamou a opinar. Não me fiz de rogado e tentei ajudá-los da melhor maneira possível. Ademais, prometi-lhes escrever algo sobre os pontos de vista ali colocados.

Nenhum ser humano é incapaz; alguns é que são deste modo levados a ser para a conveniência dos outros. Por isto, é preciso dar ênfase ao fato de que é papel nosso - ó educadores! - infundirmos a confiança das massas excluídas em si mesmas, contra a pretensa (ou pré-julgada) invulnerabilidade dos poderosos. Eles não são infalíveis!

A luta contra os opressores, donos do mundo e da vida, provará que o poder da vontade pela emancipação há de um dia estar bem acima do alheamento tão peculiar aos explorados. A música da liberdade tem som mais potente que a inércia e a falta de coragem para a luta contra os poderosos. (Certamente, há os que dirão serem estes escritos obras de um intelectual comunista, pobre e ultrapassado... Talvez estejam eles certos!)

Seria, então, necessário emprestar alguma dignidade científica a este texto e recorrer a Paulo Freire (Pedagogia do oprimido. RJ : Paz e Terra, 1987) que observa: "precisamos estar convencidos de que o convencimento dos oprimidos, de que devem lutar por sua libertação, não é doação que lhes faça a liderança revolucionária, mas resultado de sua conscientização".

Em verdade, nada devemos a nenhum líder. Somos devedores, sim, das nossas próprias consciências, que devem inserir-se no contexto da realidade histórica com o intuito de transformá-la criticamente. Há que levarmos em frente um projeto educacional inovador que vise o descobrimento dos homens pelos próprios homens, sem idiotizá-los, sem negar-lhes a sua vocação de sempre ser mais, sem o mórbido exercício da domesticação que animaliza e nega o homem enquanto agente responsável pelas mudanças requeridas por seu meio.

É conveniente o estímulo ao poder criador e recriador do mundo, condição inicial do ser, pois a consciência humana não pode ficar sempre prestes e à disposição dos depósitos que o mundo lhe faz. Nós somos nossos auto-gestores e, deste modo, estaremos sempre transpondo obstáculos e desobstruindo os caminhos que conduzem os homens à ação e à reflexão sobre o mundo para transformá-lo, uma vez que, se queremos a libertação, não poderemos manter a alienação nem a ingenuidade escravizante que a todo custo querem os dominadores perpetuar.

Em suma, o pensamento de Paulo Freire evidencia que o homem é trabalho, é práxis, é relação e transformação; enfatiza a impossibilidade da separação entre teoria e prática, embora observe, eu, a vulnerabilidade da primeira em face da segunda. (A prática é que torna concreta a teoria.)

Enquanto latinidade, somos altamente empiristas e anti-profissionais. Devotamo-nos à emoção em detrimento da razão. Somos passionais e nunca estamos dispostos a buscar mais criteriosamente a explicação dos fenômenos ou fatos. Temos ficado apenas nas superfícies voláteis, que traduzem o mero senso comum originário das fracas abstrações nunca fundamentadas com a acuidade científica que requerem. Entre nós, as paixões estão acima do critério científico.

Na Pedagogia do oprimido, então, Paulo Freire prega que o diálogo e o anti-diálogo (é lógico!) são também inconciliáveis, pois o ser humano, como tantos têm afirmado, é encontro, é có-participação e colaboração; ingredientes estes que conduzem à receita humanista do franco entendimento (relacionamento) dos educadores enquanto educadores, à politização, à elevação da auto-crítica, ao comprometimento enquanto importantes propulsores do projeto educativo-libertador, posto que só o diálogo concilia, transforma, humaniza.

Eis, assim, as luzes para uma pedagogia do futuro, que encontrará substância na luta contra a prática nociva dos poderosos que oprimem tantos e tantos excluídos sociais pelos continentes afora.

José Cláudio Mota Porfiro é doutor em História e Filosofia da Educação pela Unicamp.