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Reflexão e cultura Cultura política e política cultural: as boas lições que não seguimos

por petrolitano publicado 10/10/2011 15h19, última modificação 10/10/2011 15h19
Jornal Página 20, 21.01.2001

Dalmir Ferreira

 

Em tese nossa função na vida é a busca incessante do conhecimento, para com ele podermos contribuir para a nossa evolução. Tomando a cultura, Marilena Chauí como exemplo e o nosso PT acreano como alvo, vejo que este último perdeu ótima oportunidade em não ouvir sua maior expert nesta área, ao se organizar para administrar a cultura no Estado.

Revendo um pronunciamento dela, no IEA-USP, em dezembro de 94, sobre seu desempenho à frente da Secretaria de Cultura de São Paulo, entre 89 e 92, e refletindo sobre a atualidade desse discurso, não resisti a uma reflexão, ou releitura, que acredito ser de relevância aos que realmente pretendem contribuir com algo para sua gente, e não somente que sua gente possa contribuir com algo para si.

Ao assumir aquela Secretaria, Marilena refletiu detidamente sobre o que deveria buscar fazer, e além de uma face negativa ou crítica, elaborou uma proposta positiva: a cultura foi pensada como direito dos cidadãos e a política cultural como cidadania cultural, procurando marcar desde o início, que a política cultural visasse também uma cultura política nova.

Os direitos que se buscou afirmar, e que, pela contundente atualidade, devem ainda nortear a qualquer administrador cultural, foram:

- Direito de acesso e de fruição dos bens culturais por meio dos serviços públicos de cultura (Bibliotecas, arquivos históricos, escolas de arte, cursos, oficinas, seminários, gratuidade dos espetáculos teatrais e cinematográficos, gratuidade das exposições de artes visuais, publicação de livros e revistas, etc.), enfatizando o direito à informação, sem a qual não há vida democrática.

- Direito à criação cultural, entendendo a cultura como trabalho da sensibilidade e da imaginação na criação das obras de pensamento, como trabalho da memória individual e social na criação de temporalidades nas quais indivíduos, grupos e classes sociais possam reconhecer-se como sujeitos de sua própria história e, portanto, como sujeitos culturais.

- Direito de reconhecer-se como sujeito cultural, graças à ampliação do sentido da cultura, criando para isso espaços informais de encontros para discussões, troca de experiências, apropriação de conhecimentos artísticos e técnicos para assegurar a autonomia dos sujeitos culturais, exposição de trabalhos ligados aos movimentos sociais e populares,

- Direito à participação nas decisões públicas sobre a cultura, por meio de conselhos e fóruns deliberativos nos quais as associações artísticas e intelectuais, os grupos criadores de cultura e os movimentos sociais, através de representantes eleitos pudessem garantir uma política cultural distanciada dos padrões de clientelismo e da tutela.

Recusando a velha prática da animação cultural, da celebração oficial, do clientelismo, substituindo-os por alternativas inovadoras, a cidadania cultural teve como centro, a desmontagem crítica da mitologia e da ideologia, tomando a cultura como um direito, tornando visível a diferença entre carência, privilégio e direito, a dissimulação das formas de violência, a manipulação efetuada pela mass mídia e o paternalismo populista: foi a possibilidade de tornar visível o sujeito cultural, um novo sujeito social e político, sendo, sobretudo uma tentativa de romper com essa passividade e essa resignação perante a cultura, atitudes essas que bloqueiam a busca da democracia e alimentam a visão messianica-mineralista da política e o poderio das oligarquias brasileiras em geral.

Essa, entre outras tantas boas lições que não seguimos, são as causas de nosso atraso, que nos mantém na perigosa condição de cegos conduzidos por cegos.