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Doutor Magnésio Pesquisador acreano defende tese de doutorado que transforma calor em refrigerador

por petrolitano publicado 07/11/2011 17h28, última modificação 07/11/2011 17h28
Jornal Página 20, 28.06.2001

A atmosfera ao redor da churrasqueira em brasa está impregnada pelo aroma de gases voláteis - óxidos de carbono, ácido acético e aldeídos entre outros. Se a estrutura da churrasqueira fosse mais eficiente, poderia aprisionar estes gases e transformá-los em energia elétrica, assim como já está sendo feito com o calor aprisionado de um gerador da Universidade Federal do Acre (Ufac). Essas duas fontes energéticas - os gases do carvão e o calor dos geradores - são algumas das pesquisas desenvolvidas no Instituto de Física da Unicamp pelo Grupo de Combustíveis Alternativos (GCA/IF).

A churrasqueira capaz de aprisionar gases, na verdade é um forno. O professor Carlos Alberto Luengo aponta para a obra, erigida no “quintal” do GCA / IF. Coordenador e orientador de pós graduação do Grupo, Luengo está mostrando para uma construção rústica em tijolos refratários com alguns dutos acoplados nas paredes.

A rusticidade da obra, porém, é mera ilusão. Trata - se de um sofisticado forno para a produção de um novo tipo de “carvão” vegetal com diferentes propriedades que o carvão tradicional. Propriedades que o tornam uma alternativa interessante para a produção de energia e capaz de abastecer, por exemplo, pequenas comunidades rurais que atuam de forma cooperativa.

Nascido em Buenos Aires, formado e com doutorado em Bariloche, Luengo foi por alguns anos pesquisador na Universidade de Califórnia em San Diego. Aqui, o professor coordena uma verdadeira usina de alternativas para a produção de energia. Atualmente, além do forno de torrefação de biomassa, como é chamada a construção de tijolos, outro trabalho desenvolvido na Unicamp já está em operação no Estado de Acre, refrigerando o ar de instalações da universidade federal local e podendo até alimentar a rede de distribuição elétrica estatal.

O forno de torrefação está sendo desenvolvido pelo aluno de pós - graduação Félix Fonseca Felfli e tem um nome complicado (Estudo das Vias de Introdução da Biomassa Torrada no Mercado de Insumos Energéticos do Brasil). “Ao contrário do forno tradicional para produção de carvão vegetal, este conserva gases voláteis que o outro desperdiça por falta de um controle preciso de temperatura e tempo de queima”, explica Félix, formado em engenharia mecânica pela Universidade do Oriente, de Cuba e doutorando no Curso de Planejamento Energético na Unicamp. “Enquanto os fornos tradicionais fazem combustão da lenha a uma temperatura de 400 graus, controlada por intuição, este não passa de 200 graus e é controlado por parâmetros exatos”, informa.

Este controle reduz o tempo de queima de 4 ou 5 dias para 4 horas. Também tem um rendimento superior. Enquanto o sistema atual obtém 30 quilos de carvão em 100 quilos de lenha, o forno de Felfli consegue 70 quilos. E ainda conserva gases como óxidos de carbono, ácido acético, aldeído e outros que são canalizados para a produção de energia, a razão dos dutos nas paredes.

Para quem não conhece os gases citados por Felfli, o professor Luengo pede para que atentem o olfato para a churrasqueira ardente. “São gases que fazem parte do cotidiano das famílias”, observa.

Apesar da aparência rudimentar, a construção do forno experimental envolve complexos modelos matemáticos para simulação do processo, meticulosos cálculos de engenharia para desenvolvimento do projeto da unidade básica e experimentos de avaliação dos experimentos e dos produtos obtidos. “Não fosse complexo não justificaria um doutoramento”, lembra Felfli.

Ao contrário dos fornos tradicionais utilizados para a produção de carvão, em forma de iglus, que controlam a temperatura através de furos que são abertos ou fechados, este forno high-tech tem o calor controlado por rigorosos parâmetros. “É possível que a gente determine com precisão a temperatura e o tempo de queima sem margem de erros”, garante o pesquisador.

“O processo de carbonização é feito para eliminar os voláteis e a água da madeira para facilitar a combustão e concentrar energia. A torrefação vai atingir o mesmo objetivo só que conservará aqueles voláteis que tem energia”. O carvão torrefato, como é chamado tecnicamente, é considerado ecologicamente compatível com as exigências atuais e pode ser amplamente utilizado por empresas preocupadas com a preservação ambiental. “É uma alternativa para a substituição da madeira na alimentação de caldeiras e cerâmicas por exemplo”, enumera Felfli.

Para uso doméstico, pode gerar energia a associações de produtores rurais que disponham de matéria prima como palha de arroz, cana e quaisquer outros produtos carbonizantes. A associação de produtores só precisam aliar o forno de Felfli a um gerador e um gaseificador para acender as luzes ou fazer rodar a bomba de irrigação. “Vai gastar apenas os resíduos da lavoura que normalmente são desperdiçados”, argumenta o pesquisador.

Luengo acredita que, sendo um produto ecologicamente compatível com a nova ordem mundial, o carvão torrefato tem tudo para consolidar - se no mercado com uma alternativa energética. “Trata-se de um processo que só precisa demonstrar sua economicidade”, afirma.

A pesquisa é financiada pela Fapesp (Fundo de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo) e deve ser concluída no prazo de dois anos. O resultado, segundo Felfli, deverá ser obtido em 2002. No ano seguinte será realizada a pesquisa de mercado para a disseminação do produto, que já está em processo de patenteamento pela Fapesp.

Univesidade do Acre usa essa tecnologia

O Estado do Acre, assim como grande parte da região Norte, é abastecido por energia termelétrica a partir de óleo diesel transportado em balsas que saem de Manaus e, portanto, caríssimo. Por isso, não poderia ser mais apropriado o projeto de doutorado do estudante Francisco Eulálio dos Santos, da Ufac (Universidade Federal do Acre).

Conhecido pelos colegas da Unicamp como Magnésio, Francisco veio do Acre com uma bolsa de estudos para concretizar uma idéia que já está produzindo resultados junto à sua instituição de origem. Ele está aproveitando o calor desprendido por geradores da Ufac para refrigerar o ar de suas instalações e que ainda pode gerar energia para a rede elétrica local. “Magnésio transformou um grupo motogerador de uns 300 KVA a diesel, similar aos emergenciais do HC da Unicamp e muito freqüentes na região Norte, em um cogerador compacto”, explica Luengo. “Utilizando refrigeradores por absorção de calor, ele obtém ar - condicionado e eletricidade”.

O professor lembra que a tecnologia de cogeração energética é amplamente difundida em setores das indústrias de papel e de cana, mas sua aplicação no setor terciário, como está fazendo Magnésio, foi negligenciada até o momento. “A Ufac é a primeira universidade brasileira a implementar essa forma de conservação energética, mas graças a crise do setor já há alguns shoppings e outros estabelecimentos do setor terciário estão considerando esta possibilidade”, informa.

O projeto de Magnésio foi desenvolvido como parte de seu doutorado junto ao CPE/FEM (Curso de Planejamento Energético da Faculdade de Energia Mecânica), do qual o Instituto de Física também participa. A tese será apresentada na Unicamp assim que for testado pela Eletronorte, estatal de energia da região Norte.