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Educar em tempos difíceis

por petrolitano publicado 27/10/2011 10h46, última modificação 27/10/2011 10h46
Jornal Página 20, 28.03.2001

* José Cláudio Mota Porfiro

Ao meu caríssimo amigo Adilson Moura de Oliveira, um pai novo em folha, policial militar e professor da Universidade federal do Acre, um camarada de trato finíssimo...

É oportuno um adendo à questão do exercício educativo nos dias atuais, uma vez que se tem propagado muito a idéia segundo a qual o povo brasileiro opta pelo talento antes de mais nada, em detrimento da inteligência. É certo que muitos dos nossos estudiosos não querem e não buscam sair do senso comum ou das soluções simplistas rumo a uma consciência filosófica bem fundamentada nos livros. Por isto, é preciso dizer que as transformações deverão, obrigatoriamente, ser buscadas nas teorias, sob pena de estarmos trabalhando em vista do não-progresso do humano.

É oportuno, então, que elaboremos programas educacionais que dêem margem de expansão aos pressupostos teóricos producentes. Não mais convém atermo-nos ao discurso vazio, sem aprofundamento pelo estudo criterioso. É necessário o rigor científico das teorias preconcebidas pelos grandes pensadores antigos e modernos, pois sem essas teorias a prática será contraproducente, as transformações realmente válidas não virão e os meios que poderiam viabilizar a pretendida visão mais ampla das possibilidades das nossas massas, enquanto seres humanos pensantes e atuantes, poderão tornar-se impraticáveis. Por isto, é necessário mais do que nunca o estudo aprofundado das causas, o relembrar de antigas consequências desagradáveis, o planejamento dos meios para a consecução dos fins humanizadores a que tanto aspiramos.

Lembra-me, assim, um exemplo ilustrador, mas terrível. Do Plano Estdaual de Educação, elaborado pelos burocratas do ensino no Acre, para o período 1989 a 1991, fazia cosntar tão somente uma única e isolada meta para a nossa zona rural, que não teve a repercussão talvez pretendida, apesar da exuberância estética do documento, que pregava ser necessário "Sensibilizar e apoiar as prefeituras para a construção de uma escola para formação de professores das 4as. Séries do ensino fundamental da zona rural, concluirão o 1º grau e receberão treinamento para o ensino do magistério. Seria esta a realidade de apenas algs poucos professores das nossas colônias e seringais – apesar do vazio em que se constitui tal assertiva – enquanto imenso é o número dos que ficam de fora da escola.

É verdade indiscutível que nós, realmente, não temos formado bons cidadãos. Falta, principalmente, a educação para a dignidade das nossas relações interpessoais. É preciso liberdade de expressão e diálogo. Os nossos professores carecem de melhor capacitação profissional, uma vez que o desenvolvimento desses artífices da transformação, mesmo sendo em nível pessoal, por isso mesmo mínimo ante a imensidão do caos, será propulsor, também, da grande virada social; ou seja: a partir de pequenas mudanças oportunizaremos a grande mudança. Estaremos, assim, conseguindo pela autonomia da escola a autonomia da sociedade, porém, isto por via da luta de classes contra a opressão.

Sobre o futuro das nossas gerações seringueiras, mesmo em face do voluntarismo dignificante de organizações como o CTA – Centro dos Trabalhadores da Amazônia – (e apoiando-o), é necessário observarmos os erros de hoje e de ontem, para que não os repitamos em prejuízo daqueles que virão para colher os resultados da luta de classes dos povos da floresta.

Usando uma linguagem humílima, Chico Mendes, em entrevista concedida à Revista de Extensão da Universidade Federal do Ceará, era enfático (profético!) quando dizia que "a gente continua no trabalho de cooperativas, só que em áreas de mais difícil acesso, como é o caso do Rio Xapuri, do Seringal Nazaré, do Seringal São Pedro. O primeiro plano de criação dessas cooperativas deu certo, sim. Em cada uma delas foi executado um plano de educação popular, escolhida uma pessoa daquela comunidade para dar aulas aos seus companheiros adultos. No grupo da cooperativa, criou-se ao mesmo tempo um núcleo e uma escola. Hoje temos quase vinte pessoas dessas áreas em Rio Branco, participando de um treinamento, com apoio do Projeto Seringueiro, para que possam ensinar a ler e escrever, executando um trabalho de educação popular". (p. 35)

Então, veio a mim, dia desses lá no Bar Flutuante, um nada ilustre deputado estadual a dizer que não mais haviam seringueiros nos seringais. Pois bem, trata-se de uma liderança que não conhece dos nossos males a raiz. Por isto, é preciso que reflitamos detidamente: o educador destrói obstáculos físicos e psicológicos... Chico Mendes conhecia a realidade dos seringais. E Chico Mendes foi antes de tudo um educador de seringueiros, e não uma liderança vazia qualquer.

Mas a ação pura e simples não basta. É preciso coroar a prática com o rigor das ciências, e vice-versa. É preciso palmilhar o chão da teoria que dá base para às soluções verdadeiras e, com isso, abater finalmente o senso comum que arranja soluções paliativas mas não nos cura do mal que é a carência de instrução.

Às nossas lideranças político-sociais faz-se necessário subir os altos rios dos vales do Juruá, do Tarauacá, do Môa, do Envira, do Iaco ou do Purus. Lá encontrarão uma realidade que lhes é completamente desconhecida, pois, conforma Clodovis Boff (Teologia pé-no-chão. RJ : Vozes, 1994, p. 27), "olhar sobre e para o povo da mata e suas condições de vida não produz por si só muito encanto ou grandes enlevos. Não desperta poesia, mas antes indignação e iracúndia".

Em verdade, é preciso observar os anseios e indignações das comunidades, mesmo as mais longínquas das nascentes do Rio Poretará e, por fim, traçar planos concretos e executáveis que favoreçam essas populações esquecidas com o que lhes devemos há tanto tempo: a reapropriação das suas condições mínimas de vida.

* José Cláudio Mota Porfiro é doutor em Filosofia e História da Educação pela Universidade de Campinas.