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O Parque da Maternidade

por petrolitano publicado 21/10/2011 10h20, última modificação 21/10/2011 10h20
Jornal A Gazeta, 03/03/2001

* Roberto Feres

Parece uma novela daquelas sem fim. Começou com um projeto patrocinado pelo antigo DNOS, na década de 70, quando foi também realizada a primeira desapropriação dos terrenos para abertura de uma avenida de fundo de vale, acompanhando o leito retificado do igarapé Maternidade. Depois de algumas tentativas de retomar a obra, na década de 80, em 91 o Estado enfim contratou, com uma firma baiana, a construção do canal de concreto com avenidas laterais. Ato que custou escândalos nacionais, CPIs e a vida do governador Edmundo Pinto.

Volta à cena, agora, em decorrência do desenrolar das ações judiciais de 10 anos atrás, a intenção de se mudar a cara da cidade urbanizando as margens do Maternidade. Desta vez, não mais com o canal de concreto e a avenida que "resolveria todos os problemas do tráfego de veículos" na área central da capital, mas com um projeto ousado e moderno de urbanização, transformando o espaço em um parque linear dotado dos mais diversos equipamentos públicos.

Pessoalmente, prefiro a concepção atual à anterior. Avenidas de fundo de vale costumam criar mais problemas que soluções, quando são feitas. A maioria das que conheço Brasil afora, costumam aumentar a quantidade de enchentes com o passar do tempo. E os terrenos próximos ao corpo d’água são também, geralmente, os piores para a construção de pavimentos, elevando o preço das obras e de sua manutenção futura.

Neste particular, sobre a construção de pavimentos, mostrei em minha pesquisa de mestrado que quase toda a margem do igarapé Maternidade, numa faixa próxima à largura desapropriada, tem características de solo restritivas à abertura de vias.

Entretanto, como tentei mostrar, recentemente, com um rol de considerações ao Estudo de Impacto Ambiental, a construção de uma obra como essa carece de uma série de precauções que não há como serem minimizadas. Ações para que sejam diminuídos os transtornos durante sua implantação e medidas que garantam o funcionamento futuro do Parque. O EIA-RIMA apresentado deixou claro que o Estado não está preocupado com nenhuma delas.

Acredito que o que menor transtorno criarão à cidade serão os veículos e equipamentos utilizados na construção do Parque, ao contrário do que tentou mostrar o EIA. Os principais impactos acontecerão quando os bueiros, que canalizam o igarapé sob as vias, forem substituídos por pontes de concreto armado, exigindo mudanças prolongadas do tráfego e do transporte coletivo em ruas como a Marechal Deodoro, Getúlio Vargas e José de Melo, entre outras. Tais estruturas, assim como os coletores de esgoto, são parte essencial do atual projeto e extremamente necessárias à salubridade da região. Porém, mal programadas, farão Rio Branco conviver com o caos, além de provocarem imensos atrasos no cronograma pactuado com o financiador.

Mas é em relação ao futuro do Parque que me preocupo mais. São tantas questões sem resposta que torna-se uma temeridade iniciá-lo assim. Vejam só:

- Pronto o Parque, quem vai administrá-lo? Estado ou município?

- São 400 mil metros quadrados de parque, a maior parte de gramados e jardins. Quanto vai custar manter isso limpo, com a grama e árvores sempre podadas? De onde vai sair esse dinheiro?

- E a conta de iluminação, quem paga? Salvo engano, são 15 circuitos com transformador.

- As pessoas que moram ao lado do parque vão poder ter seus acessos voltados para ele? Ou será um parque murado por toda a volta?

- Podendo ter o acesso (o que parece que não há como impedir), também poderão abrir comércio e pontos de serviço dando para o Parque?

- A Via Parque, com 4m de largura, suportará a utilização como coletora quando ocupada com atividades de serviço e comércio?

- Um parque urbano atrai, em determinados momentos de sua utilização, grande tráfego de veículos. Estaria o sistema viário atual com capacidade ociosa para assimilar tal demanda? Quanto de investimento será necessário para evitar congestionamentos, principalmente nas ruas que dão entrada ao Parque?

Nos dias de hoje, com as amarras que a Lei de Responsabilidade Fiscal vincula os gastos públicos à capacidade real das administrações, cabem certamente as preocupações levantadas. Estimo, de forma bastante conservadora, que o gasto anual de manutenção do Parque extrapola os três milhões de reais.

Outra coisa que preocupa na obra é o desconhecimento que a população tem a seu respeito. Nove a cada dez pessoas com quem tenho conversado, acreditam que será construída a tal avenida para descongestionar o centro. Na grande maioria é gente bem informada, que lê diariamente os jornais locais e não perde o noticiário da TV. Será uma frustração e tanto a construção de um parque antes que o povo em geral se convença que a avenida é desnecessária.

Vinte e tantos anos já foram para que a obra seja, agora, tocada de afogadilho, atropelando etapas importantes, para dizer o mínimo. Quero deixar aqui uma proposta de encaminhamento pautada nas regras do bom senso: Por que não iniciá-la pelas ações de saneamento, dragando o leito do igarapé, limpando os matagais, construindo o coletor de esgotos e, de quebra, uma estação de tratamento, como tem sugerido o Ministério Público, o Crea e o município? Com os cuidados de tráfego necessários, por que não construir também as pontes para evitar o represamento das águas durante as chuvas?

Enquanto isso, que já resolve o que é principal e gera gastos mínimos com manutenção futura, podem o Estado e município levantarem os custos reais que terão ao assumir o Parque e indicar as fontes financeiras necessárias para tanto, vinculando-as em seus respectivos orçamentos anuais e planos plurianuais.

Poderão definir, também, mais detalhadamente, como, e com quais instrumentos de legislação, deverá funcionar o Parque, principalmente em sua relação com a população de entorno. Só isso garantirá que a obra não se transforme num novo pólo de congestionamentos e, pior, num matagal mal iluminado, propício ao esconderijo e à ação de criminosos e a ser apelidado de "estupódromo", no futuro.

São seis quilômetros de comprimento por oitenta metros de largura, de um Parque merecido para o desfrute de uma população realmente carente de lazer. Que venha da forma correta, com a cautela e responsabilidade com que as grandes decisões devem ser tomadas. Que não seja apenas o ônus imposto ao Estado por uma decisão judicial cujo condenado, teoricamente, foi a CEF.

Roberto Feres é engenheiro civil, com mestrado em Engenharia Urbana e professor da Ufac.