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Oportunistas versus fanáticos

por petrolitano publicado 21/10/2011 11h20, última modificação 21/10/2011 11h20
Jornal Pagina 20, 14/03/2001

José Cláudio Mota Porfiro

Buscarei dar umas voltas talvez lúcidas ao redor dos significados dos termos oportunismo e fanatismo. Todavia, adentrar o âmago dos conceitos, é claro, não cabe no espaço que me concede este veículo.

O passeio a que me proponho não será tão difícil, em vista das doses de realidade que permeiam estes escritos. É que os fanáticos que absorvem as pregações alienantes de algumas igrejas - ditas evangélicas - são, em realidade, vítimas do oportunismo sórdido de pessoas que buscam na miséria alheia as vantagens através das quais erguem impérios. Entretanto, fico regozijado em considerar, aqui, a obra de evangélicos sérios que não oram para enganar a boa fé do povo.

Fanatismo é palavra que diz respeito a esse zelo religioso ou partidário cego, excessivo, intolerante, exaltado, entusiasmado, apaixonado, muito próprio das pessoas de baixa densidade cultural, desinformadas, que, por assim o serem, aderem ardorosamente à emoção em detrimento da razão. Deixa de falar a inteligência. Cala-se a análise cuidadosa. Toma lugar a cegueira das paixões que tornam os homens cada vez mais pobres física e espiritualmente.

Oportunismo é termo que traduz o comportamento do indivíduo que se aproveita das oportunidades para chegar mais facilmente a um resultado; é aquele cidadão que acomoda sua atividade às circunstâncias para, assim, alcançar objetivos nem sempre decentes.

Sobre os perigos do fanatismo religioso, principalmente, basta exemplificar com as ocorrências entre israelitas e palestinos que se odeiam há séculos, mortalmente, porque os primeiros são cristãos e os demais são muçulmanos. Com relação aos oportunistas, esta erva daninha que empobrece as relações em sociedade, não é preciso sair sequer da rua onde resido.

Assim, indo da teoria para a realidade dos acontecimentos, faço-vos conhecedores de um episódio no mínimo esdrúxulo.

Tenho uma amiga de longa data chamada Mercedes Morais, aposentada do serviço público. Mercedes tem um neto - Luiz Fernando - que, ainda em criança, descobriram-no epiléptico. O rapaz está na faixa dos vinte e cinco anos, era católico e tomava comprimidos Comital L, com o que controlava a doença e seus achaques; e nunca tivera sequer uma convulsão. Em vista da sua realidade, é, no entanto, um pouco depressivo. Um dia, então, ao passar pelos portões de uma sucursal da Igreja Universal do Reino de Deus, foi arrastado por um daqueles asseclas de gravata que lhe prometeu a saúde e o céu a preços módicos. E Luiz se encantou com proposta tão alentadora. Passou, então, a freqüentar aqueles cultos miraculosos que mandam ao inferno os que não têm dinheiro. Mas ele tinha um pouco de grana e foi acreditando em tudo o que ouvia. Semanas depois, o pastor deu um veredicto mais científico que místico, e ordenou-lhe que parasse de tomar o Comital L que a graça de Deus o havia livrado da doença. O moço obedeceu ao mestre, mas só por dois dias... É que no terceiro dia, no cruzamento da Getúlio Vargas com a Nações Unidas, Luiz caiu no asfalto, no meio da rua, atrapalhando o trânsito, em estado de convulsão próprio dos epilépticos... Houvera o pobre rapaz acreditado no pastor e perdera a noção do valor da ciência que se realiza no medicamento que controlava a doença. Não morreu, mas tomou uma lição patética.

Em vista das circunstâncias, folgo em dar ênfase a um fato: as igrejas evangélicas surgidas nos últimos dez anos proliferaram por demais em meio às classes que habitam a periferia nacional. Aí há gente humilde e sem instrução que facilmente pode ser enganada. Mas os oportunistas, sagazmente, jamais plantarão suas igrejas em meio à classe média que, por ter muito mais informação, não se deixa ludibriar. Mesmo assim, apesar dos hábeis métodos de extorsão que aprumam o idiota rumo à porta do céu, muitos empreendimentos religiosos faliram porque a clientela é horrivelmente pobre de forma a não poder comprar os degraus que levariam à residência do Divino.

A lição política, então, fica por conta de a república brasileira não realizar o seu papel em benefício dos que necessitam. Assim surge o oportunismo erguendo obras em benefício do oportunista e em prejuízo do fanático imbecilizado pela falsa moeda dos sacripantas que findarão por jogar o coitado nas labaredas do inferno.

José Cláudio Mota Porfiro é doutor em Filosofia e História da Educação pela Unicamp