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A injustiça da Justiça

por petrolitano publicado 08/11/2011 15h59, última modificação 08/11/2011 15h59
Jornal A Gazeta, de 14.09.2001

* Maria José Bezerra


Ao longo da evolução da história da humanidade, o tema da Justiça tem sido alvo de reflexões, não apenas no campo do Direito, mas, também, de outras áreas dos saberes científico ou não, particularmente das áreas humanas, com especial destaque para a religião, a teologia, a filosofia, a história, a sociologia, a economia, entre outras.

Evidente que a compreensão do justo e do não justo por apresentar dimensões morais, éticas, sociais, religiosas, econômicas... se insere no contexto do ideológico, dos interesses dos indivíduos, grupos, Instituições, empresas, e das crenças, valores e tradições de um povo, sociedade e país.

O século XX acreditou que a justiça, a partir dos fundamentos da teoria positivista, mediaria os conflitos entre os seres humanos na sociedade positiva. A crença na razão, na ciência e no progresso estava vinculada a compreensão de justiça, segundo o Direito Positivo.

O que era justo? Levar o progresso, a civilização e o desenvolvimento para as áreas atrasadas do mundo. Aos desenvolvidos, aos capazes, aos inteligentes, aos ricos, aos produtores de ciência e tecnologia cabia a tarefa messiânica de arrancar da barbárie, os pobres, os incapazes, os incultos das trevas da ignorância e do atraso.

Em nome desse entendimento da justiça, no século passado, assistimos estarrecidos fatos que marcaram profundamente nossas mentes, corações, sentimentos, aspirações e projetos na perspectiva de um mundo melhor.

O ser justo, o aplicar a justiça, trouxe guerras, revoluções, regimes totalitários, campos de concentração, prejuízos humanos e materiais incontáveis.

O império da lei, justiça e ordem preconizado pelo Ocidente implicou e/ou acentuou as injustiças já existentes no mundo.

Cada sociedade, cultura,  nação com-preende a justiça e o ser justo segundo seus interesses econômicos, de poder, de classe, de etnia...

O justo e o injusto para o Ocidente e o Oriente têm significados diferenciados e em cada um desses espaços há, ainda, diferentes acepções de justiça.

O fato é que chegamos ao fim do século XX com um grande desenvolvimento material, antes inimaginável. Muita riqueza foi gerada em vários campos, porém a miséria, a injustiça, as mazelas grassam milhares de vidas no mundo.

O encerramento da “guerra fria” e do confronto ideológico/militar entre capitalismo, socialismo e comunismo não nos levou à paz e muito menos à justiça para todos. Caiu o muro de Berlim, as Alemanhas estão unificadas e nada mudou efetivamente. O capitalismo venceu? A história acabou?  O socialismo não é viável? são indagações bem presentes na academia e fora dela.

O irracionalismo está na ordem do dia nas suas mais inusitadas nuances?

Diante de tantos questionamentos, é possível estabelecer relações justas entre pes-soas, Instituições, empresas, países? Este início de século XXI e de um novo milênio em que globalização, informação, interatividade, qualidade total, polivalência entre outros conceitos presentes nos diálogos estabelecidos nas diversas áreas das ciências, tecnologias, política, culturas, pessoas, empresas têm demonstrado que a compreensão de justiça e a construção de relações mais justas não avançaram o quanto deviam.

Todos clamam por justiça , mas a partir do lugar social em que se encontram e dos interesses que defendem nos mais diversos aspectos. Na prática, a justiça varia segundo pessoa, tempo, lugar, classe, poder...

Em nome da justiça barreiras são erguidas das mais variadas formas, tendo como elementos referentes as diferenças, as particularidades de quaisquer natureza. O outro é sempre visto como inimigo.

Reuniões, debates, fóruns, agrupamentos associativos têm sido realizados/formados/revitalizados para fazerem justiça. Códigos, Constituições, leis, acordos, tratados têm sido revistos, elaborados e/ou reelaborados, firmados, mas a injustiça, com sua face mais perversa, vem corroendo as relações entre pessoas, Instituições e países e se expressa nos crimes cometidos contra ín-dios, negros, judeus, árabes, católicos, protestantes, mulheres, crianças, velhos, culturas, meio ambiente, pobres, países... A lista é infinita. A dívida de uns para com os outros é impagável.

O discurso da justiça tão presente no mundo atual tem sido materializado pela sua antítese - a injustiça que atinge a todos, porém com força, intensidade e ritmo maior os pobres, os assalariados, os trabalhadores, os países da América Latina, África e Ásia, numa “guerra” de todos contra todos.

Atualmente, nós servidores públicos federais, notadamente os docentes das universidades federais por estarmos há 7 cabalísticos anos sem reajuste salarial entramos em greve nacional porque não é justo permanecermos com um salário que não mais atende as nossas necessidades básicas enquanto  professores universitários – trabalhadores intelectuais responsáveis pela formação da massa crítica do país; dos futuros gestores dos bens materiais e imateriais que constituem o patrimônio nacional; construtores da ciência, da tecnologia; cidadãos/cidadãs conscientes de nossas responsabilidades pelos destinos do Brasil, terra que amamos e onde nascemos e/ou vivemos e legaremos aos nossos descendentes.

No entanto, os instrumentos e mecanismos da justiça institucional estar a nos amea-çar de “punição” por considerar nossas atitudes injustas, sendo construídas argumentações e pareceres que desqualificam nossa luta.

Num país em que chegar a universidade é um privilégio, frente a imensa maioria da população que não teve e dificilmente terá doravante maiores oportunidades de acesso e permanência no ensino superior, chegar a universidade ainda é fazer parte de uma elite, no sentido hegemônico e orgânico do termo, mesmo considerando a massificação do ensino, mascarada de democratização; mesmo considerando a existência de instituições desprovidas ou sucateadas de espaços, equipamentos e verbas essenciais ao cumprimento de seus fins; mesmo considerando a realidade de um ensino mais livresco que inventivo, criativo; mesmo considerando a desmotivação e incertezas de muitos jovens quanto ao seu futuro profis-sional; mesmo considerando  tantas coisas que aí estão...

Em nome da justiça e no terreno da justiça lutamos pôr nossos direitos – inúmeras são as causas trabalhistas que ganhamos na Justiça Trabalhista, porém o efetivo pagamento do que nos é devido não é efetivado ou o pagamento é postergado ao máximo,  num desgaste físico, financeiro e emocional.

A exemplo,  ressaltamos que fazemos parte do primeiro grupo de 186 professores que ganhou na Justiça Trabalhista a causa  do resíduo da URP, cujo Processo inicial está encabeçado pelo prof. Raimundo Angelim Vasconcelos e outros e que desde dezembro do ano passado deveria ter sido pago, o que não ocorreu até o presente (isto considerando a exaustiva gangorra do fazer e refazer os cálculos aqui e em Brasília) pois segundo os parâmetros avaliativos da Procuradoria da União, os  cálculos expressos no processo foram superfaturados. Portanto,  além de não termos direito aos valores definidos, ainda temos que pagar a União porque segundo a PGU recebemos a nossa URP além do devido, exceto alguns poucos que têm direito a uma quantia ínfima.

Evidente  que vamos recorrer do parecer da PGU e vamos ganhar mais cedo ou mais tarde, porém fica a lição do  arcabouço teórico da Justiça Institucional  gerando à injustiça.

Outro caso, há um ano atrás comprei uma casa na Vila Ivonete, onde resido atualmente, e após pagar parte do valor do imóvel a ex proprietária e financiar junto a Caixa Econômica Federal  a outra parte do valor do imóvel,  descubro, no processo de regularização da compra, que a referida casa tinha débito de 5 anos  de IPTU, 3 anos de Saerb, afora contas de luz. Entrei com um processo nas Pequenas Causas, como a ex-proprietária não foi “encontrada”, não só tive que pagar os débitos, como ainda tive que pagar os custos da Justiça para não ficar “suja” no SPC, sem falar nos transtornos financeiros que tudo isto acarretou.

A situação de descrença no cumprimento da lei chegou a tal ponto que as pessoas, especialmente as mais simples e menos informadas quanto aos seus direitos, só acreditam na justiça divina.

Aliás, o noticiário nacional e internacional e os acontecimentos do dia-a-dia nos mostram que, raramente, o que é justo é concretizado. Na inversão de valores que vivemos na atualidade, onde tudo é natural, normal, relativo e banalizado seja a vida, o sexo, os sentimentos, os direitos..., as pessoas, e o que é mais grave, os jovens estão perdendo a noção do justo, do correto, do verdadeiro, do transparente e assumindo a postura de que o importante é ser vencedor. Como  sê-lo? Vale tudo, não existe mais certo nem errado, não há parâmetros, referências. É possível viver assim?

* Maria José Bezerra é professora do Departamento de História da Ufac.