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Finalmente, um Txai na Funai

por Ascom-01 publicado 25/01/2012 11h30, última modificação 25/01/2012 11h31
Jornal Página 20, 09 de fevereiro de 2003

Até agora tenho sido recompensado, cotidianamente, por ter votado três vezes no Lula para a Presidência da República. A recompensa aumenta desde janeiro através de pequenos acontecimentos do nosso novo País. Já não me refiro às manifestações da posse com o povão se vendo no topo do Planalto lavando a alma de alegria nas águas de Brasília. Nem à excepcional performance do nosso Presidente ao pisar os tapetes do mundo desenvolvido. Acompanho pela TV como ele ergue, desinibido, a mão mutilada para dar lição de verdade e humanidade, ao mesmo tempo que acena com a nova ordem dos insubmissos. Quanta diferença faz daquele senhor das elites a quem substituiu!

A recompensa, insisto, vem nas pequenas coisas ou decisões como as nomeações de pessoas para os cargos federais. Quem, entre os cidadãos e cidadãs de boa índole, não se rejubilou com a nomeação da senadora acreana Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente? Bom, isso é uma grande decisão. Ou a do médico amazonense Marcus Barros para a presidência do Ibama? Nós, da Amazônia, sabemos o quanto isso significa para a realização dos sonhos coletivos desta região.

O melhor é que a boa escolha prossegue nos cargos menos cobiçados, porém, tanto quanto fundamentais. Não fosse assim, como nomeariam Terri Valle de Aquino para o Departamento de Identificação e Demarcação das Terras Indígenas, da Fundação Nacional do Índio (Funai)? Nenhuma nomeação do governo Lula me alegrou tanto. Mas o País, por acaso, sabe quem é esse cabra?

Provavelmente, não. Porque o antropólogo acreano Terri Aquino ou Txai (amigo, irmão) para os índios, desde o momento (1975) em que se embrenhou nas matas do Jordão para escrever sua tese de mestrado sobre os índios Kaxinauás, apresentada na Universidade de Brasília, primou pelo anonimato. Nascido em Seringal, pequeno de estatura (pouco mais de 1,60m) e hoje cinqüentão, ele é para os índios acreanos o que o general Rondon, os sertanistas Vilas-Boas e o antropólogo Darcy Ribeiro, entre outros, representaram ou representam para os índios do Brasil.

Identificação e Demarcação de áreas indígenas é com ele mesmo. Ao trabalhar a tese de mestrado (75/76), Terri descobriu que os Kaxinauás viviam ameaçados pelos seringalistas da região do alto Tarauacá. Deixou de lado, então, a carteirinha de antropólogo e virou ameaçado também. Era comum vê-lo na cidade de Tarauacá e em Rio Branco acompanhado de um grupo de índios que lutavam por direito à terra e para serem respeitados como etnia. O velho cacique Alfredo Sueiro parecia sua sombra subindo e descendo as escadas do poder exigindo providências.

Como isso não bastasse, Terri criou com outras pessoas a Comissão Pró-Índio do Acre e passou a escrever denúncias pelos jornais. Mas tarde, as denúncias viraram reportagens, ensaios e propostas sob o título “Papo de Índio”. As terras Kaxinauá foram delimitadas e demarcadas pelos próprios índios com o Txai à frente. Não foi nada fácil enfrentar a fúria e as intrigas dos seringalistas. Terri chegou a ser esmurrado na rua, em Cruzeiro do Sul, por um preposto do ex-governador e seringalista Orleir Camely. Em outra ocasião, foi caçado por policiais civis e federais sob a acusação de promover guerrilha no Jordão. Inventaram de tudo para minar sua liderança e sua força. Mas ele venceu.

Dinheiro e pompa? O Txai se lixava pra isso. Até a correspondência, oficial ou não, que enviavam para ele ia parar em endereços amigos. Eu mesmo guardei cartas e convites de instituições internacionais que queriam conhece-lo. Também atendi a telefonemas tendo que dar resposta vaga: “Terri anda pelos matos. Deve aparecer daqui a um mês”. Quando aparecia, agitava os meios indigenistas e universitários e aquecia o noticiário da imprensa. O ex-reitor Aulio Gélio, da UFAC, no final dos anos setenta teve que engolir Terri pressionado pela sociedade acreana. O antropólogo montou um belo acervo de artesanato indígena na Universidade, que a instituição não soube preservar.

De lá para cá, muita coisa mudou na vida dos índios do Acre, cerca de 10 mil indivíduos representando 12 etnias que finalmente foram reconhecidas e respeitadas pela população e os poderes constituídos. É claro que em tudo teve um dedo do Txai. Mas o antropólogo não se envaideceu: continua irreverente, corajoso e despojado, mas humilde amando o Acre e sua gente como poucos conseguem.

Perguntem ao Milton Nascimento por que deu o nome “Txai” a um dos seus mais belos CDs? O genial cantor e compositor vai responder que subiu o rio Juruá na companhia de Terri e seus amigos da floresta. Quando voltou da viagem, gravou o disco e fez um show ontológico no Teatro Plácido de Castro. Dirá, certamente, que a música “Txai” é uma síntese da emoção e mensagem que se criam quando o homem, impregnado de dignidade e afeto, faz a vida acontecer pelo lado bom.

*Elson Martins