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Tudo que é sólido desmancha no ar

por Ascom-01 publicado 25/01/2012 12h19, última modificação 25/01/2012 12h19
Jornal A Gazeta, 13 de fevereiro de 2003

Quando Marx tentou sintetizar, no manifesto comunista, as intensas transformações pela qual a sociedade passava por ocasião da desagregação da sociedade feudal e concomitante estruturação do sistema capitalista, usou uma expressão que ficaria famosa como título de um best seller dos anos 90. Foi tamanha a transformação das forças produtivas que Marx se referiu a este momento como um processo em que “tudo que é sólido desmancha no ar”.

Mais tarde, em pleno século 20, o economista Schumpeter ensinava que a introdução das inovações tecnológicas na esfera produtiva, visando a apropriação de lucros “extraordinários”, era a base do dinamismo econômico numa economia capitalista. Tão genial quanto o pensador alemão, Schumpeter denominava essa lei imanente do capital como um processo de destruição criativa. É da própria natureza do capital o processo evolutivo, a mudança. Quando, portanto, o dono da empresa de ônibus substitui o cobrador por uma catraca que funciona à base de tarjetas magnéticas cumpre, sem o saber, o processo de destruição criativa. Está em pleno processo concorrencial. Empregos e mais empregos são destruídos e outros nem tantos são criados, sempre a partir de uma lógica de valorização que parece desconhecer os seus limites e os limites da natureza.

Não sem razão que eminentes ambientalistas e cientistas de um modo geral tem alertado para a insensatez do padrão produtivo e de consumo existente. Durante largo período de tempo, desde o pós-guerra mais precisamente, acreditou-se que o crescimento econômico por si só implicaria na superação do subdesenvolvimento. Contudo, é mais do que certo, frente a finitude dos recursos naturais do planeta terra, a impossibilidade de generalização dos atuais padrões de desenvolvimento e de consumo dos países desenvolvidos. Isto sem considerar outra ordem de questões presentes numa trajetória desenvolvimentista, notadamente, as de cunho político. Refiro-me a projetos envolvendo disputas hegemônicas, como a que assistimos atualmente: a iminência de uma guerra entre EUA e Iraque, em que uma das dimensões do conflito é a disputa pelo domínio das fontes de recursos naturais estratégicos.

Em tempos de “fome zero”, parece adequado, porque não é excludente, pensar também em soluções duradouras. Além das ações perenes, creio que é necessário pensar, sobretudo, no trabalho digno. A geração de emprego, nestes tempos de “fome total”, deveria ser uma ação fundamental em qualquer programa de governo.

Sabemos tratar-se de uma tarefa nada trivial. Mas, se alguns países conseguiram lograr êxito, pelo menos em parte, isto pode e deve servir de motivação para o enfrentamento do problema. Algumas experiências, como é o caso da Itália, mostram o enorme potencial da geração de emprego e renda dos produtores e empreendedores de pequeno porte. Saídas existem.

Tal como Severino, o personagem do famoso auto de João Cabral de Melo Neto que, sem o querer, ao migrar na verdade acompanhava seu próprio enterro, nós também trilhamos trajetória semelhante: sabendo ou não, continuamos na trilha da insensatez. Ou bem não produzimos e consolidamos a pobreza ou produzimos “desmanchando” os nossos recursos naturais. Este chão te é bem conhecido...

*Doutor em Economia pela Unicamp, professor do Departamento de Economia da Ufac, foi reitor da Ufac e subsecretário do Desenvolvimento Agrário do Estado do Acre. E-mail: fcscarlito@uol.com.br