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Reserva Chico Mendes: um olhar acadêmico pelo reforço dos princípios da sustentabilidade

por Ascom02 publicado 10/12/2012 08h14, última modificação 10/12/2012 08h14
Jornal JornalATribuna.com.br, 04 de dezembro de 2012
04/12/2012 - 22:13:42

Antonio Stélio
Especial para A TRIBUNA


Esta foi, sem dúvida, uma das primeira teses sobre a questão das reservas extrativistas no Acre, e foi defendida em 2002, pelo doutor Francisco Carlos da Silveira Cavalcanti, o Carlitinho, ou simplesmente Carlito, como é conhecido por toda uma geração da Universidade Federal do Acre (Ufac) onde, aliás, foi reitor.

A tese é intitulada A Política Ambiental na Amazônia: um estudo sobre as reservas extrativistas, e foi defendida no Instituo de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em  2002, sob orinetação do professor-doutor Bastiaan Philip Reydon.

Carlitnho se debruçou em uma pesquisa minuciosa na Reserva Chico Mendes, em Xapuri, a mais emblemática do Acre, e conseguiu fazer uma radiografia fria, porém real de uma situação que pode apontar um caminho para a economia do Acre, em particular, e tirou conclusões que podem servir de parâmetros, inclusive, para políticas de governo.

“A hipótese de que o controle da ocupação e a garantia do acesso a terra constitui-se em condição necessária, mas não suficiente, para o uso sustentável dos recursos do ecossistema florestal, mostrou-se viável a partir da análise do desempenho econômico da reserva Chico Mendes”, escreve o doutor do Departamento de Economia da Ufac. 

Para ele, isto mostra “o papel estratégico que as reservas desempenham, na medida em que estas se consolidaram como uma experiência alternativa à criação de reservas preservacionistas. Dessa forma, é razoável supor que, ao se constituírem como um novo paradigma de regulação ambiental, a importância das reservas extrativistas transcende os estreitos limites de uma experiência de regulação de caráter local, para se pôr, amplamente, como uma estratégia de conservação de florestas tropicais”.

A viabilidade econômica de empreendimentos como as reservas extrativistas, como não poderia deixar de ser, também foi objeto de análise de Carlitinho que, como economista de uma escola voltada para o desenvolvimento regional, não se furtou em apontar prós e contras de uma ideia que tem tudo para dar certo.

“Por outro lado, demonstrou-se também que a questão ambiental, ao transcender os limites do mercado, aponta para um novo papel a ser desempenhado pelas reservas. Isto não implica negar o mercado como instância de realização das mercadorias. Ao contrário, ao se estabelecer a relevância da agregação de valor como resultado do desenvolvimento das forças produtivas no interior das RESEX, está-se exatamente definindo um novo contexto em que se reconhece a importância em agregar valor aos produtos mas, também, a incapacidade do mercado de valorar bens ambientais”, ele observa.

Se bem que ele não esquece que o próprio mercado, hoje, se volta para produtos com selos de produção sustentável, e não deixa de reconhecer que tais reservas podem abrir um caminho alternativo dentro do mercado global. O que se certa maneira, embora timidamente, não vem deixando de ocorrer.

Mas Carlitinho não perde o olhar de cientista e se preocupa sempre com as questões múltiplas das reservas extraivistas dentro dos mais amplos conceitos de economia. Talvez por isso faça observações corajosas em sua lavra de pesquisa.

“Reconhecer a importância das RESEX como parte essencial e estratégica de uma inexistente, porém necessária, política global de desenvolvimento sustentável para a região, como um todo, e em particular para o estado do Acre, é muito diferente de pensar a RESEX como política capaz de produzir, por si só, os mecanismos de geração de renda e emprego capazes de desencadear o desenvolvimento da região”, analisa. 

Nem por isso, no entanto, abre mão de que “reconhecer a incapacidade de as RESEX alavancarem o desenvolvimento da região não implica desautorizá-la como proposta do ponto de vista ambiental nem, tampouco, desconsiderar seu mérito inovador”. 

Não por outra coisa, ele completa: 

“Neste sentido, a RESEX deve ser vista como uma solução que, pelo seu conteúdo ecológico e sócio-cultural, deve ser viabilizada. O problema a ser pensado, portanto, passa a ser de outra ordem e poderia consubstanciar-se na seguinte questão: dada a relevância das RESEX e de seu caráter preservacionista, estaria a sociedade disposta a pagar pelos serviços ambientais prestados pelos extrativistas?”, afirma e indaga, ao mesmo tempo, como bom pesquisador.

O trabalho de Carlitinho, portanto, mostra os dois lados mais delicados da questão extrativista no Acre, como uma pesuisa in loco de dimensão extraordinária, e que abre horizontes para a viabilização de uma alternativa que considera importante e viável, desde que a legislação ambiental e o próprio mercado facilitem o empreendimento que, afirma ele, é inovador e viável.

Por isso, ele observa: “Se a melhor maneira de preservar é ocupando com a presença humana através de processos produtivos extrativistas, isto resolve a questão da sustentabilidade na sua dimensão ecológica”. 

Mas sentencia:

“Resta então, analisar dois novos dilemas derivados do extrativismo. Já se fez referência à força econômica da pecuária e ao perigo da extração predatória da madeira. Em outros termos, são necessárias políticas compensatórias, tipo subsídio, para tornar a atividade extrativista competitiva de forma que as RESEX cumpram bem sua função conservacionista”.

Trata-se, pois, de um trabalho que pode balizar um sentido e um caminho para as próprias reservas extraivistas no Acre e, de quebra, orientar política de desenvolvimento para uma economia que, a rigor, dar os seus primeiros passos e, sem dúvida, carece ainda de ousadia, se esta foi praticado com segurança e incentivo.

A tese de doutorado de Carlitnho faz ainda uma última advertência:

“É de notar que a maioria dos projetos que visam à consolidação das RESEX não atentam para uma questão da maior importância: a de que a reserva, fruto de um processo histórico peculiar, representou uma ruptura com o velho seringal em suas diversas dimensões. O novo modelo, portanto, não pode incorrer no erro de repor os elementos constituidores do velho seringalismo”. 

E ainda, de rebarba, ele finaliza, com o espírito de economista que lhe é peculiar:

“A nova economia, ao se estruturar deve representar uma negação ao antigo processo de trabalho do seringal e da agricultura tradicional, sob pena de reproduzir a situação de miséria e fome”.

Mais que isto não precisa.

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