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Elogio à intolerância

por petrolitano publicado 20/10/2011 11h02, última modificação 20/10/2011 11h02
Jornal O Estado, 04.02.2001

* Sávio Maia

Estava em Xapuri no último dia 20, era o dia de São Sebastião e minha primeira vez como espectador da famosa festa.

Constatei com alegria, o comportamento pacato, sereno e amistoso das pessoas daquela cidade, bem como das que vieram dos seringais, reservas extrativistas, colônias e regiões adjacentes. Durante a procissão, caminhavam, cantavam, rezavam, pagavam promessas ou, simplesmente, seguiam contritos os percursos do andor. Estavam ali movidos pela tradição, pela devoção, ou pelo fato de poderem reencontrar parentes, amigos, antigos amores. São diversas as motivações, mas, todas elas articuladas com as perspectivas dos encontros. Encontros com outros, encontros com a fé.

No grande contingente de pessoas que afluíram a Xapuri, contudo, alguns lá chegaram para provocar o estranhamento, o desrespeito, a intolerância e o desencontro. Pelas placas dos carros e das motocicletas, percebi que eram oriundos de Rio Branco. Com certeza, boa parte dos que para lá viajaram, ali nasceram e retornavam com intuito idêntico aos residentes, o de participarem da festa religiosa. Os outros desconheciam a tradição e foram motivados por outra festa, a da farra.

É nesse aspecto, na farra, onde reside a centralidade da ignorância, do desconhecimento e do desrespeito pelo outro. As agressões começam pelos marreteiros, passa pelos alcóolotras, continua com os motoristas e termina nas conversões de última hora de alguns políticos.

Os marreteiros, mesmo tendo a seu favor a tradição de participação nesse evento, não estão isentos de críticas devido às práticas extorsivas e atitudes aproveitadoras. Até rapé tentam vender como sendo "um santo remédio".

Os alcóolotras e os bêbados ocasionais, esses não têm perdão. Saem de Rio Branco para "tomar todas" em Xapuri. Ficam nos botecos, mexem com as mulheres e desrespeitam os devotos, circulando trôpegos e proferindo impropérios e asneiras, pelo meio da manifestação sagrada para a grande maioria.

Os detentores de veículos, não são menos patéticos. Querem que as pessoas que vivem nos seringais, nas colônias, tenham a mesma noção de regras de trânsito, dos símbolos da cidade, que eles. Não percebem ou não sabem esses "motoristas" que nos varadouros, nos ramais, nas picadas na mata, o certo é andar bem pelo meio. Obviamente, quando vêem uma rua, o seu sentido é o mesmo.

O que não se pode é admitir a prevalescência da mentalidade desses "motoristas". Atrás de um volante e de um possante motor, querem fazer competição com fracos e esquálidos seres humanos. Buzinadas, queimadas de pneus, xingamentos, risos sarcásticos e até atropelamentos foram resultados da invasão desses farristas.

E, por fim, notei outro tipo de invasão. A invasão dos "devotos novos", dos devotos de última hora. Notadamente paramentados para a situação, os políticos que não estão com aquele povo, que tradicionalmente estiveram contra eles, desfilavam poses e acenos, como se fossem familiares, ou quem sabe, um deles.

Com seu jeito tranquilo, de quem sabe das coisas, o incansável sindicalista Raimundo Barros, bem ao meu lado, pensou alto. Quase segredando-o disse: "Até quando esses elementos vão usar a religião e a fé do povo para esconder seus vis propósitos?".

Eu nada pude responder.

* Sávio Maia é professor do Departamento de História da Ufac.