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Complexidade: uma abordagem sobre a vida

por petrolitano publicado 08/11/2011 15h46, última modificação 08/11/2011 15h46
Jornal Página 20, 23.07.2001

* Elane Andrade Correia Lima


Complexus imiscui-se por entre a transversalidade do labirinto da vida humana, tecendo fios de compreensão sobre a imensidão do que representa o viver, oferecendo-nos condições para que possamos chegar mais perto dos mistérios sondáveis e insondáveis de nossa alma, da nossa cultura, das contradições sociais, econômicas e políticas.

Ao adentrar na fantástica e surpreendente gruta humana, nos chamam atenção para o amor, poesia, sabedoria, arte e espiritualidade como elementos necessários ao entendimento do espaço temporal, da relação simbiótica existente entre razão e emoção, entre corpo e alma, inteligência e instinto, cuja ousadia faz desmanchar sob os nossos olhos a nossa performance do somente racional, para fazer-nos perceber a nossa face de homo sapiens-demens.

Essa forma cognitiva de pensar o mundo não ocorre harmonicamente, mornamente, pelo contrário, prenha-se de tensões, pois mostra que a linearidade cognitiva não conseguiria apreender os caminhos e descaminhos, a ordem e a desordem humana, a unidade entre loucura e sabedoria, entre espírito e alma, o que provoca reações adversas à amplitude humana.

Elege o amor como a pedra angular do cosmos, dando-lhe (ao amor) o tom de complexus, que reúne, que liga e religa os comos, fazendo-se onda que fraterniza os seres nas suas relações mediadas pela temporalidade, cujo movimento faz-nos perceber como filhos do tempo, da vida-morte-vida e, por isso, não escapamos do movimento renascer.

Assim, através de sua concepção sobre o amor, faz-nos sentir o renascimento como fonte de vontade de aprender a ter vontade, entusiasmo e paixão de viver, de tecermos asas para alcançarmos a diversidade de cores que banham o céu no instante do encontro inebriante entre deuses, deuses da chuva e do sol, enfim de todos os deuses que se deixam nas águas escuras e claras dos rios, dos mares, das matas reais e metafóricas, das montanhas, das serras para banhar-nos com os seus reflexos.

Nos dá pistas para sairmos da terra ao encontro do horizonte iluminado pelo arco-íris do devir, nos umedecendo de possibilidades para tornarmos mais gente. Ao pormos por terra a nossa condição de meros ciscadouros, solfejamos o típico Krau-Krau das águias e voamos no entre meio dos nossos labirintos para deixa-los iluminados e vibrantes visando buscar refletir o sentido do imã, da atração, do abraço, da sabedoria das grutas como metáfora da condição humana, uma vez que as grutas são expressão de mistérios, medo e a possibilidade de alcançar dimensões fecundas da tênue separação entre felicidade e infelicidade.

A complexidade enlaça num diálogo delicado e soberano a sensibilidade, sensualidade, brilho, afetividade, vontade, entusiasmo, paixão, força e ordem, anulando a polaridade entre espírito e inteligência, mostrando-nos inteiros. Ao nos fazer pensar sobre nós mesmos e sobre os registros milenares, restitui-nos idéias perdidas na área do simplesmente racional. Faz-nos aflorar surpresas, anseios, quereres e certezas de nossa infinita ligação com o inefável, com o maior, desvendando e permitindo a continuidade da universalidade do mistério. Nasce da necessidade, de desejos do vir a saber destronar o implacável, o adestramento histórico nos planos espiritual, emocional e racional. Reúne a diversidade de tempos e idéias num momento conceitual, visando a interconexão entre a singularidade e a universalidade do pensar e do agir, fazendo emergir uma nova estética de sentir e fazer a vida.

O pensamento complexo tenta religar o que o pensamento disciplinar e compartimentado disjuntou e parcelarizou ao longo dos tempos, promovendo a reunião de conceitos antagônicos e dialógicos, como ordem e desordem, certeza e incerteza, lógica e a sua transgressão.

A forma de entendimento interdisciplinar e interconceitual contribui para o exercício efetivo do princípio da solidariedade dos diversos fatores que compõe os saberes, uma vez que percebe a inquestionável vinculação existente entre todos os elementos dessa diversidade, e é certamente o que dá vida ao conhecimento.

A sua ética pauta-se na compreensão e na solidariedade, apreende a essência original do termo complexus mediante estes dois fatores, aplicando-o na produção de saberes através do abraço aos diferentes conhecimentos. E o faz com maestria e ousadia, com vontade, entusiasmo e paixão, tecendo uma viagem ao paradoxo, as várias possibilidades do vir a ser.

Esse modelo de pensamento, portanto, entende o sistema como um conjunto de partes distintas, desorganizadas e organizadas, interligadas pelo fio dialógico, expresso pelo antagonismo e complementaridade, que aglutina as partes entre si e estas ao todo, e o todo às partes. Cada parte é causa e efeito simultâneo, é produtor e produto, ao mesmo tempo em que produzimos as propriedades da sociedade, somos efeito dela, somos o resultado de sua atuação sobre nós, fazemos a cultura e a linguagem e dialeticamente nos moldamos conforme suas qualidades; mas esta dialogia avança além das franjas terrenas, pois a história de cada um de nós é parte integrante da história bio-sócio-cultural que por sua vez vincula-se à história cósmica.

Essa circularidade conceitual põe por terra a linearidade da ante circularidade, do determinismo causa e efeito, que busca início, meio e fim a partir da seqüência invariável de ordens, e aponta para a retroatividade do sistema da vida. “Precisamos humildemente acolher nosso bilionário processo de fazimento, saudar a imensa riqueza cósmica que em nós deságua e que ganha um perfil pessoalíssimo em cada indivíduo. Ele surge como um Amazonas de interrogações, um mar de desejos e um oceano de utopias.” (Leonardo Boff, 1997, p. 63).

Assim, esse paradigma acena para o limite dado pela ciência cartesiana de pensar, rejuntando numa unidade da diversidade a multiplicidade fraturada, usando como ferramentas fundamentais à migração conceitual, mitos e metáforas. Este diálogo assegura o ressignificado e ampliação dos conceitos, noções, fazendo uma ponte entre linhagens, mundos, observador e objeto observado, natureza e cultura, mito e ciência, neutralidade axiólogica e subjetividade, ciência, arte, filosofia e espiritualidade, promovendo, portanto, a complexificação da história.

 

* Professora do Departamento de Filosofia e Ciências Sociais da UFAC