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Origem da devastação ambiental

por petrolitano publicado 08/11/2011 15h20, última modificação 08/11/2011 15h20
Jornal Página 20, 05.07.2001

Raimundo F. Souza


Em meio a esse modismo preservacionista, em que a maioria dos governantes, quando não transformou integralmente a idéia em programa de governo pelo menos a adotou como meta principal, os ecologistas de plantão estão divulgando informações, no mínimo equivocadas, sobre a visão dos homens da floresta (índios e seringueiros), no que se refere às suas ideologias e práticas de preservação do meio ambiente.

Pelo que conhecemos sobre a questão, o índio e o seringueiro jamais poderão ser evidenciados e/ou destacados como símbolos ou mesmo exemplos de conscientização sobre a preservação da natureza. Alguma consciência ecológica que eles poderão ter adquirido, além de ser coisa recente, foi absorvida por meio da ação de ecologistas, que através de mobilizações junto a esses povos, na forma de “catequese”, conseguiram implantar, ou seja, ao contrário do que se divulga, principalmente pelos meios de comunicação, sobre consciência de preservar ser uma qualidade intrínseca do homem da mata, ele é um devastador por natureza, pois, na qualidade de extrativista e caçador a necessidade, é quem comanda suas ações.

Ao derrubar a mata (botar roçado) para cultivar suas lavouras, se o local é propício, não serão algumas madeiras de lei que se encontrem no local que vão impedir a derrubada e a queimada. Da mesma forma, o seringueiro necessitado, buscando a sobrevivência para a família, ao encontrar na selva alguma caça (veado, porco, paca, tatu, anta, cutia, bichos menores, denominados embiaras etc.), não será o estado de prenhez de alguma fêmea ou a condição de acasalamento em que se encontrarem os animais que irá impedir o abate. E mais: os ninhos de aves nativas de médio e grande portes, bem como os ovos de jabutis que são encontrados, todos entram no cardápio, inclusive como iguarias especiais.

Quem é da terra acreana e conhece de perto a realidade dos seringais nativos não deve ter esquecido que, juntamente com o comércio da borracha e castanha, em um passado não muito distante, havia outro produto tão ou mais importante para os seringueiros do que os do extrativismo vegetal, que era o comércio do couro, principalmente as peles de onça, gato, lontra e ariranha.

Durante esse período, portanto, a caçada a esses animais acontecia de forma indiscriminada e predatória, não para utilizar a carne na alimentação, mas, simplesmente, para retirar a pele. Havia ocasiões em que o seringueiro encontrava um bando de queixadas (grande quantidade de porcos do mato), abatia vários porcos, aproveitava alguns para alimentação e dos restantes retirava apenas a pele, deixando a carne para os urubus.

Outra prática predatória exercida com freqüência pelo seringueiro e que merece destaque é a pescaria em igarapés com a utilização de veneno. Ele retira o leite do açacu (árvore venenosa de grande porte da floresta amazônica), sangrando a árvore da mesma forma como sangra a seringueira, transporta até a margem de um igarapé, seleciona um local, geralmente em uma curva onde se formam os poços, e joga o leite na água. Com menos de dois minutos os peixes já começam a boiar tontos e seguidamente vai morrendo todo tipo de vida aquática que se encontrar no local.

O aproveitamento será feito somente dos peixes de boa qualidade, tanto em tipo quanto em tamanho. O restante, principalmente os alevinos, que são os primeiros a morrer, não é aproveitado. Se o curso d’água for corrente, esse veneno sai matando peixe água abaixo até muito longe. Essa mesma prática de pescaria com envenenamento nativo pode ser realizada também com uma planta (um pequeno arbusto) que nasce em capoeira, popularmente conhecida por “tingui” ou “oaca”. Machucando-se suas folhas e jogando-as na água e, com um cipó silvestre denominado timbó, que também pode ser machucado, utiliza-se um porrete para matar os peixes.

Definitivamente, não podemos aceitar que esse tipo de comportamento e/ou conduta dos seringueiros e, em situações análogas, dos índios possa ser concebido como sendo atitude de consciência ecológica, que possa servir de exemplo de preservação. Jamais a idéia preservacionista que estabelecer período para caça e pesca poderia ter partido do nativo, pois, para os índios e seringueiros, a temporada de caça e de pesca torna-se totalmente inviável, sendo impossível seu cumprimento na prática. Como poderão sobreviver sem comer por alguns meses?

Outras ações que comprovam as atitudes predatórias dos homens da floresta, bem como a falta de consciência sobre o valor das riquezas naturais (o capital natural propriamente), são a madeira de lei, que constantemente são vendidas para qualquer madeireiro, que paga um preço abaixo do simbólico e retira todas as árvores nobre, e o comportamento antipreservacionista que existia no período áureo da produção da borracha, exigindo, inclusive, a ação enérgica dos famosos fiscais dos seringais, que percorriam todas as colocações estabelecendo as regras de como deveriam ser “cortadas” as seringueiras, pois, na ansiedade de produzir sempre mais, os seringueiros geralmente sangravam as árvores tão fundo que causavam grandes ferimentos nos locais do corte e ainda ampliavam o tamanho do traço e/ou limite da “bandeira”, a ponto de impedir a cicatrização da casca, o que em pouco tempo causava a morte da seringueira.

Sobre essa questão da falta de consciência ecológica dos homens da floresta, especialmente dos índios da América, a revista Veja de 24 de maio de 2000 publicou uma importante matéria, denominada “O mau selvagem”, em que relata a ação predatória dos indivíduos que imaginamos viverem em comunhão com a natureza, em atitudes como espantar a manada de búfalos para o precipício, matar milhares e aproveitar apenas alguns para a alimentação da tribo, ou, ainda, a dizimação de espécies nativas de pássaros, sacrifício de 350 alces para confeccionar uma única peça de roupa, devastação integral de planícies (conforme aconteceu no México) e por aí vai...

Essa matéria divulga ainda o lançamento de um livro do sociólogo inglês Robert Whelan, intitulado “Bárbaros na floresta: o mito no nobre ecosselvagem”, que alinha fatos pouco conhecidos, visando esclarecer essa idéia romântica de que os nativos são homens que preservam os recursos naturais.