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Por que falar sobre racismo dentro da Psicologia?

publicado: 16/09/2021 08h03, última modificação: 16/09/2021 08h07

Como a Psicologia pode contribuir para combater o racismo no Brasil?

Contextualização da formação social do conceito de raça, mito da democracia racial e Psicologia

O continente americano e o Brasil, local onde vivemos, é um território construído ao longo dos últimos 521 anos, essa construção se deu por meio da colonização, invasões dos navegantes europeus, que se intitulam conquistadores ou descobridores, e se baseou em um sistema produtivo de exploração de mão de obra escravizada. Desta forma, as populações que já viviam nessas terras antes da chegada dos navegadores foram escravizadas e quase exterminadas, com a diminuição da mão de obra indigena e em sua substituição, os europeus iniciaram a escravização do povo africano.

Segundo Quijano (2005), a separação pela ideia de raça foi assumida pelos conquistadores como um elemento fundamental da relação de brancos dominantes sobre os povos negros e indigenas, colocando todos os povos não brancos como inferiores, desprovidos de alma, e em uma posição de servidão natural, sendo assim forçados a trabalhar sem remuneração, sendo tratados como objetos de propriedade dos “senhores” brancos, que por serem proprietarios os tratavam com base em violencia e crueldade extremas.

Os escravizados tiveram seus traços fenotípicos, sua cultura, sua linguagem e modo de ser e viver marcados como inferiores e assim foram demonizados qualquer uma das características que os fizessem se reconhecer como um povo, desse modo a raça se tornou base para nivelamento, para destacar qual lugar e papel a pessoa tem na estrutura social.

No Brasil o racismo tem raízes nesse momento histórico de escravização dos povos, que marcou a anulação dos valores da cultura negra.

Entre 1550 e 1850 foram sequestrados mais de 4 milhões de africanos e trazidos para o Brasil, que foi o último país do mundo a abolir a escravização. Após a abolição da prática de escravização, a classe dominante brasileira iniciou o processo de imigração de europeus para ocupar os postos de trabalho que antes era feito pela população escravizada, com intuito de “branquear” o país, seguindo a lógica racista para trazer elementos étnicos superiores a sociedade brasileira. A partir desse momento a população negra foi condenada a exclusão e discriminação, tendo negado o acesso a qualquer tipo de assistência para viver, saindo do lugar de escravizado e entrando no lugar de marginalizado. Assim passam a sofrer o racismo de exclusão, onde negros livres não servem para trabalhar, não tem direito a ter posse de terras, não tem direito a estudar, e nem de estar presentes em lugares publicos.

Essa posição de marginalidade constitui o que é considerado a inferioridade cultural da raça negra, que acabam por ficar encarregados de trabalhos improdutivos como os serviços domésticos e ocupações subalternizadas que perduram até os dias atuais como funções ocupadas massivamente pela população negra no Brasil

Assim, com a mudança dos tempos e a necessidade de fazer com o que o Brasil apagasse o seu passado de genocídio com povos negros e indígenas, nasceu-se a o que podemos chamar aqui de mito da democracia racial (perspectiva trazida por Gilberto Freyre). O conceito da democracia racial implica que, no Brasil, por não haver mais uma escravização explícita e haver uma população bastante miscigenada, não existe racismo e temos todos oportunidades igualitárias. No entanto, ao examinarmos o processo histórico e sistemático brasileiro, podemos rapidamente entender que esse conceito não passa de um mito, criado para disfarçar o racismo estrutural adentrado a nossa sociedade desde o início da colonização.

A partir desta noção de que, na realidade brasileira, ao falarmos de racismo estamos falando sobre uma estrutura de dominação que rege todas as subjetividades locais, podemos aprofundar sobre quais os impactos específicos que o racismo pode trazer para a subjetividade de pessoas negras e indígenas e qual a relação que a psicologia tem com tudo isso. Para tanto, podemos trazer aqui a autora Lélia Gonzalez, que em sua obra Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira (1983) traz questões muito pertinentes sobre o funcionamento do racismo dentro da cultura brasileira. Na obra, ela especifica questões como: o apagamento e marginalização de pessoas negras, a sexualização da mulher negra, a violência policial, o encarceramento em massa de homens e jovens negros, a sobrecarga e exploração de mulheres negras, entre muitos outros tópicos.

Todos os assuntos pontuados acima são extremamente pertinentes e por isso traremos, semanalmente, diversos deles para serem explicitados. Assim, é importante pontuar que a psicologia, tem como responsabilidade adentrar e entender debates circulando o racismo, uma vez que os impactos das questões de raça atravessam a subjetividade de todos e, para que estejamos efetivamente em busca do combate ao racismo, é necessário que estejamos em constante reflexão e estudo sobre o assunto, como bem é explicitado na RESOLUÇÃO CFP N.º 018/2002, Art. 1º - “Os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão contribuindo com o seu conhecimento para uma reflexão sobre o preconceito e para a eliminação do racismo.” (Brasília-DF, 19 de dezembro de 2002).

Referência:

QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Clacso, 2005. p. 117-138.

 

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA CFP (Brasília DF). RESOLUÇÃO CFP N.º 018/2002, de 19 de dezembro de 2002. RESOLUÇÃO CFP N.º 018/2002, Brasília DF, 19 dez. 2002. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2002/12/resolucao2002_18.PDF. Acesso em: 12 ago. 2021.

 

GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: Revista Ciências Sociais Hoje. Anpocs, 1984, p.223-244